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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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O Apocalipse é canino!

Hugo Gomes, 03.06.15

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Depois dos macacos chega a vez dos cães se revoltarem contra uma sociedade humanamente omnipresente e, de certa perspetiva, totalitarista (perante estes seres de quatro patas). Segundo o filme de Kornél Mundruczó, num futuro próximo, a Hungria será um dos países que decretará uma lei que obriga ao registo de qualquer cão de raça indefinida ou cruzada. Caso não exista esse registo, o destino do animal é o abate.

Tal como “Mommy”, de Xavier Dolan, “White God” brinca com a temática das leis para conduzir-se num cenário de desolação social com graves falhas na concepção das relações afetivas. Talvez seja por isso que a história de fundo, a qual frisa a aproximação entre uma adolescente e o seu respectivo pai, seja tudo menos emocional. De tal forma que a grande preocupação do espectador durante a narrativa encontra-se na infeliz jornada de Hagen, um rafeiro à mercê da sorte num mundo onde os humanos são os verdadeiros selvagens.

Este cão irá mais tarde liderar uma revolta canina, onde os outrora “melhores amigos do Homem” convertem-se nos seus derradeiros inimigos, lutando pela vingança de uma imperdoável traição. Ao chegar a esse crucial ato, “White God” vende-se como um desinspirado filme de terror sob contornos “slasher”, mas antes disso somos dirigidos a um autêntico Oliver Twist canino, numa alusão à exposição dos imigrantes nas sociedades que desejam integrar.

Nesse aspeto, Kornél Mundruczó consegue uma (des)ventura feroz e agressiva que contrai inesperadas emoções. A coordenação dos “atores” caninos, assim como o seu realismo, tornam “White God” num exemplar cinematográfico visualmente arrebatador (a última sequência é exemplo disso). Mas por detrás de um conceito interessante e inédito, evidenciamos falhas a nível de argumento e no propósito das personagens. Falhas essas que são salientadas no seu terceiro ato, a dita rebelião assassina. Uma das consequências desses buracos do argumento é a falta de química entre a estrela canina e a protagonista humana, onde a suposta cumplicidade parece cair de paraquedas nas proximidades dos créditos finais. Por sua vez ,a tão acentuada relação entre pai e filha adquire uma relevância íngreme, pouco justificável em função da narrativa definida.

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A realização por parte de Kornél Mundruczó também não auxilia em nada, embora a intensidade transmitida por uma câmara hiperativa nas sequências mais violentas seja claramente bem sucedida. Porém, os momentos que apelam à captação da linguagem corporal dos seus atores (humanos) tornam-se ineficazes e sem objetividade nos planos. Talvez o resultado deste “White God” (alusão ao filme de Samuel Fuller, “White Dog”) tenha ficado aquém das expectativas geradas pela conceção e pelo visual, assumindo-se como um filme construído em torno de medos sociais enraizados. Profere-se um cinema de veia realista e de carácter violento, mas esquece-se das suas personagens em prol do idealismo da idolatrada revolta.

Já agora, em jeito curiosidade, 274, o número de animais utilizados nas sequências deste “White God”, fez com que a obra entrasse no livro de recordes como o filme com mais cães integrados.