O “amour” não é mais que uma mensagem do ceifeiro
Fernando Pessoa escrevera certa vez que “todas as cartas de amor são ridículas“, pegando nessa deixa e contextualizá-la com a nossa atualidade, é bem verdade que “filmes sobre amor são ridículos“, porque temos uma inteira necessidade de citar ambiguidade em todas as matérias. E talvez seja a consciência de que não existe “felizes para sempre” ou até mesmo utopias, a fantasia de um romance como um puro atalho da felicidade concretizada é impensável no espectador contemporâneo.
Paixão, amor, ou qualquer quadrante da ala do coração, leva-nos à filosofia da projeção dos nossos desejos ou uma definição altruísta do mero cuidado, ou como a ciência anseia por explicar, uma simples reação química. Mas não falemos de disciplinas exatas, o cinema começou do real, ou diríamos mesmo da extração disso, para polvilhar-se na ficção, na narrativa, na estética, no possível e obviamente no impossível. O amor envolve-se como o segundo número da equação da experimentação que é o cinema, mas nada de novo, visto que esta veia romântica, ideia concebida por manifestações artísticas de séculos passados, já “tresanda” na tela desde os primeiros passos enquanto mais nova das artes.
Nessa ingenuidade, o de acreditar na pureza do romance, o veterano Claude Lelouch (cineasta francês que não acolhe a admiração devida) decide revisitar “velhos amigos”, devolver novas páginas ao platónico amor que criou em 1966 [“Un homme et une femme”] e que continuou passados 20 anos [“Un homme et une femme, 20 ans déjà”]. Aqui, em “Les plus belles années d'une vie” (“Os Melhores Anos da Nossa Vida”), as personagens de Jean-Louis Trintignant e Anouk Aimée reencontram-se após anos e anos de distância. A chama reacenderá, mas a realidade é mais forte que a fantasia de um amor concretizado e levado imaculadamente até à tumba. Aqui, Trintignant encontra-se preso ao seu corpo decadente e confinado ao pequeno “universo” limitado pelas paredes do centro de acolhimento que aqui operam como uma possível prisão. A única evasão deste anterior piloto indomável reside na sua imaginação, que parte como um escape com destino às suas gordas e intrusivas letras de “The End” como qualquer ficção acabada sem “pontas soltas”. Aí, são os devaneios oníricos colados às leis da física, mas culminados nos regulamentos da fantasia. A fuga é praticada, enfim, nunca devidamente deleitada.
D.W. Griffith dizia em tempos muitos remotos, frase que fora apropriada posteriormente por Jean-Luc Godard, que para fazer cinema bastava uma mulher e uma arma. Lelouch usa esse conceito minimalista e coloca-o em pratos limpos na pele do aventureiro Trintignant que sob o volante da sua viatura evoca as brisas de uma juventude em marcha (sim, “Il Sorpasso” de Dino Risi é incontornável).
“Os Melhores Anos da Nossa Vida” é um filme recitado por um extrema ilusão de felicidade saltitante e crença inabalável pelas paixões derradeiras. É só “fachada”, quer dizer, “cantiga” para embalar antes que a morte chegue sorrateiramente à cabeceira da cama. Esta é uma obra sobre a velhice, está claro, sobre o fim e a sua iminente despedida. A do corpo energético e belo concebido no auge da juventude, a da ingenuidade com que se encara o amor de viver e sentir e por fim, a dos génios que prometeram mundos e fundos durante a sua existência. Monica Bellucci, que faz uma pequena e igualmente potente aparição, tem conhecimento desse mesmo adeus, chorando em certa medida por aqueles que, enganados, sucumbiram às maiores mentiras: a vida e consequentemente o amor enquanto cura da morte.