Novos olhares, o Cinema de sempre! Vem aí o 19º FEST - New Directors New Films Festival.
Mais um ano, mais um FEST, automaticamente, mais descobertas cinematográficas a caminho do nosso cardápio. De 19 a 26 de junho, todos os ‘mirones’ do Cinema em Portugal estarão apontados à cidade de Espinho, onde concretizará a 19ª edição do Festival de Novos Realizadores, uma congregação de algumas das primeiras e segundas obras mais badaladas do ano, uma mostra lado-a-lado com um centro de pitching, hubs e masterclasses, para aliciar experiências e motivar novos cineastas.
Novamente com Fernando Vasquez, diretor e programador do evento, aceitou o convite do Cinematograficamente Falando … para nos resumir as novidades e as recomendações destes próximos sete dias, recheados de Cinema.
Mais um ano, mais um FEST. Começo com a, possível, grande novidade desta edição que é a reunião musical intitulada de “FEST – Music Walk With Me”. Como surgiu esta iniciativa? Os critérios para a seleção de artistas e que espera conseguir com esta fresca “secção” (chamaremos assim)?
A ideia surgiu no seguimento de uma iniciativa que já tínhamos começado no ano passado, a criação do FEST – Sound & Music Hub, um conjunto de debates e palestras sobre o trabalho de som em cinema. Foi uma forma que encontramos de valorizar e salientar a importância do som no Cinema e como é perigoso negligenciar esses processos. É curioso, mas na minha opinião a revolução digital não teve um impacto muito positivo no que toca ao som. É frequente encontrar filmes ou obras audiovisuais em que os diálogos são imperceptíveis, enquanto os efeitos sonoros estão frequentemente desequilibrados em relação ao resto dos trabalhos. Esse é também o feedback que recebemos de alguns peritos na matéria que passaram pelo FEST em anos anteriores. Sinceramente já se trabalhou muito melhor esta questão. Em parte isso acontece porque a temática do som não tem muito espaço de debate e troca de perspectivas, praticamente que não se toca no tema, por isso é natural que o crescimento na área seja mais lento. Nesse contexto, uma iniciativa desta natureza só poderia enriquecer o mundo do cinema.
Obviamente que esse evento já contemplava espaço de debate sobre produção musical para cinema, mas pareceu-nos que podíamos e devíamos ir mais longe. A composição musical para cinema precisava do seu próprio espaço. E assim nasceu o FEST – Music Walk With Me, um conjunto de performances musicais e encontros que criam uma nova ponte entre o mundo da música e o mundo do cinema. A seleção foi feita por um painel que para além de incluir membros da nossa equipa, incluiu também a Academia de Música de Espinho, que é uma instituição de referência a nível nacional, e o colectivo Salitre, que pretende desenvolver a cultura musical underground na região. Abrimos uma chamada internacional para músicos interessados em mostrar o seu talento a produtores e cineastas, e os resultados superaram em muito as nossas expectativas.
Como entretanto criamos o Music Walk With Me, o Sound & Music Hub será mais curto este ano e com um foco maior na produção e mistura de som daqui para a frente. Temos já confirmados formadores como Eddy Joseph, uma figura lendária na área, que trabalhou muito com o Tim Burton, o Alan Parker e os próprios Pink Floyd; a canadiana Kle Savidge, que tem tido um percurso notável na área; e profissionais como Tristin Norwell e John Rogerson.
Sobre os convidados deste ano? O que pode dizer sobre eles?
Voltamos a ter um conjunto de convidados eclético e de grande peso, e igualmente importante, nunca tivemos tantas mulheres em destaque no nosso programa. É inevitável destacar a presença de quatro realizadores de peso. O Carlos Reygadas era já um objetivo há muito tempo, afinal de contas é um dos autores de culto mais relevantes da nossa era. Pessoalmente fico muito contente com a presença da peruana Claudia Llosa, que não só estará em Espinho para dar uma masterclass, como ainda vamos fazer uma retrospectiva do seu trabalho. Ela é uma figura fundamental da cena latino-americana contemporânea, e foi uma das pioneiras no que toca à representação da mulher indígena no cinema, por isso este é o momento ideal para oferecer todo o destaque possível a esta autora. E temos ainda a presença de Lone Scherfig, autora de uma das últimas obras do movimento Dogma 95, o “Italian for Beginners"; e algo inédito na história do FEST, uma animadora, Brenda Chapman, a primeira mulher a realizar uma longa-metragem de animação num grande estúdio de Hollywood, “The Prince of Egypt”.
Voltamos a dar grande destaque ao mundo dos atores, através da presença da grande Noomi Rapace, a atriz sueca que rapidamente se tornou numa das figuras mais enigmáticas dos últimos anos, e claro está, o nosso Nuno Lopes; para além das Diretoras de Casting Nancy Bishop, Jo Monteiro e Caprice Crawford. Na área da pós-produção há um cruzamento com o ano passado. Após a presença de Gaspar Noé em 2022, este ano contamos com um dos seus mais fiéis e relevantes colaboradores, Marc Boucrot. Mas temos ainda a Melody London, editora muito conotada com o trabalho de Jim Jarmusch, em filmes como o “Down by Law”; e o grego Yorgos Mavropsaridis, uma das mentes por detrás do enorme sucesso e influência da chamada Greek Weird Wave, já que editou a grande maioria das obras que associamos ao movimento, incluindo o filme que começou tudo: “Canino” de Yorgos Lanthimos.
Past Lives (Celine Song, 2023)
Passeando pela Competição, o que destacaria este ano?
Este ano, entre as 10 longas de ficção de documentário em competição, é inevitável destacar 3 obras que competiram em Berlim em fevereiro passado. O “Disco Boy” do italiano Giacomo Abbruzzese é um dos filmes fundamentais do ano e uma experiência sensorial inesquecível. É uma espécie de trip psicadélica e surreal que funde os mundos da Legião Estrangeira e de guerrilheiros anti-exploração petrolífera no Delta do Níger, tudo regado por uma banda sonora original de Vitalic que ainda vai dar muito que falar. Outro é a segunda longa-metragem da mexicana Lila Avilés, “Totem”, que acabou por vencer o prémio do Júri Ecuménico em Berlim, e é um filme profundamente tocante, e que nos apresenta a uma família que faz de tudo para evitar lidar com uma tragédia iminente. E temos ainda “Past Lives” de Celine Song, uma das obras mais badaladas na última edição dos festivais de Sundance e Berlim.
Porquê de não vermos produções portuguesas a competir pelo Lince de Ouro?
Já aconteceu várias vezes no passado, com filmes como “Irmãos” do Pedro Magano, ou a primeira longa’ do Pedro Pinho, “Um Fim do Mundo". Temos vários exemplos, mas são bastante menos frequentes do que queiramos. Existe um conjunto de razões que não são muito favoráveis para que isso aconteça. Por um lado existe uma pressão para termos estreias nacionais dos filmes em competição. Infelizmente, por questões de financiamento, essa pressão não pode ser ignorada. E existe uma tradição na nossa indústria que leva a que os filmes portugueses que estreiam em festivais acabem a estrear sempre nos mesmos sítios. Ao mesmo tempo, o contexto de apoios à produção e distribuição de cinema português também não ajuda nesse processo, ao não contabilizar as exibições em festivais para os dados oficiais de audiência, o que significa que exibir filmes com contratos de distribuição em festivais é demasiado arriscado para as distribuidoras. E os fundos Europeus agora dificultam também a quantidade de obras nacionais que podemos exibir, porque têm como objetivo pô-las em circulação pela Europa fora em detrimento dos mercados nacionais, o que a longo prazo é bom para a nossa cinematografia.
E este ano temos uma enorme presença de filmes nacionais no nosso Grande Prémio Nacional, com 23 obras no total, incluindo várias estreias de peso, o que limitou as possibilidades de filmes portugueses estarem presentes na competição do Lince de Ouro. Dito isto tudo, o nosso comprometimento com a cinematografia portuguesa é muito significativo, e o crescimento do Grande Prémio Nacional é a prova disso. Acontece porque temos feito um trabalho árduo nesse sentido. Acreditamos que cada vez mais os novos cineastas portugueses olham para o FEST como uma das suas casas naturais e uma paragem relevante para os seus trabalhos. Em breve esperamos que ele dará frutos também na competição de longas.
O que o futuro reserva? Quanto às extensões por Lisboa e Porto? Foram abandonadas?
Como estamos a dias do início desta 19ª edição é difícil estar a falar do futuro, seria sempre prematuro. O FEST vai fazer 20 anos em 2024, o universo do cinema está muito diferente do que era, e há condicionantes que estamos inevitavelmente a avaliar, e que continuaremos a estudar no final desta edição. Por isso ainda não é o momento oportuno para falar disso. Mas é garantido que haverá muitas novidades, diria até algumas muito surpreendentes. As extensões em Lisboa e Porto que fizemos em 2020 e 2021 foram resultado da pandemia e da inevitável necessidade de levar o evento à audiência, que estava muito restrita a nível de mobilidade, já para não falar na limitação da lotação das salas. Dito isso acreditamos na importância de continuar a fazer neste mundo pós-pandemia. E até ia mais longe, igualmente importante seria fazê-las noutros pontos do país.
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