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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Nos braços da Palha deitado ...

Hugo Gomes, 15.07.24

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César Mourão desafia-se na realização, num projeto que ele próprio pretende apelidar de cinema. No entanto, apontamos o caminho esburacado que o ator parece seguir. Acenamos com isso tentando interceptá-lo, interromper a sua vontade, iludido pelo “bem” que ele pensa praticar, mas em vão. Ele cedeu ao “audiovisual”, essa comunidade que encontra na tela, sem diferenciações, onde tudo é programado para ser adaptado às plataformas. O resultado da sua primeira longa-metragem - “Podia ter Esperado por Agosto” - uma comédia romântica como a publicidade nos engana, é televisão quanto aos seus frutos e procedimentos.

Em alguns momentos, Mourão parece enganar-nos – se não fosse isto uma comédia de enganos, mas já lá vamos. Somos confrontados com o facilismo e a banalização que a cultura audiovisual, muito portuguesa, contaminou nos desejos de fazer cinema. Por exemplo, um pouco de contexto: a nossa história decorre numa aldeia em Arcos de Valdevez, em contraste com cenas avulsas da cidade de Lisboa - nada de fascinante em relação à metrópole porque a narrativa não se mostra interessada num embate à la Dickens - contudo, existe uma sequência que nos soa a um virtuosismo vaidoso, em que a praça dessa mesma aldeia é “palmilhada” por diferentes habitantes, personagens e até gado. A câmara acompanha circularmente essa multidão gota-a-gota, manifestando calculismo e meticulosidade em criar cada movimento como um simbolismo à rica vida deste meio rural, até que o protagonista, também ele César Mourão, invade a tela e percorre a praça em direção a uma ruela.

A lente segue-o até que, a certo momento, esta parece levitar. Mais um pouco até ser humanamente impossível a sua altura e aí damos de caras com um drone, artifício exaustivamente confundido com os interlúdios de telenovelas, banalizando-se nessa linguagem publi-televisiva, e, por sua vez, auferindo um conceito de imagens emancipadas do homem. Há um perigo nesta massificação, o faz-se pela artificialidade e pelas baixas orçamentais (mais barato que uma grua, por exemplo, hoje cinematograficamente obsoleto). Portanto, o drone está vulgarmente presente. É uma praga e deve ser declarada como tal! Chamem o exterminador, por favor!

Porém, não poderia deixar de abordar um outro “elefante na sala”, este também muito impregnado nos conceitos mercantis do “cinema popular português”, que é o argumento e a ingenuidade com que se resolvem todos os conflitos. Neste caso, como havia mencionado, é uma comédia de enganos. Nada contra, burlas e charlatanices fazem paródia e carimbam o absurdismo que merecem, mas o lado romântico e como um mero “Amo-te” justifica as maiores barbaridades cometidas é assunto urgente para debate. Os espectadores contemporâneos são outros daquilo o qual estes filmes são pensados, queremos acreditar que sim, demasiado cínicos para acreditar em “contos de fadas” e, pior ainda, o cinema, por vezes romantizado e escapista, deixou de estabelecer esse delírio há muito.

Nem pela Júlia Palha, ‘coisas’ destas se fazem…

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