Nos braços da Palha deitado ...
César Mourão desafia-se na realização, num projeto que ele próprio pretende apelidar de cinema. No entanto, apontamos o caminho esburacado que o ator parece seguir. Acenamos com isso tentando interceptá-lo, interromper a sua vontade, iludido pelo “bem” que ele pensa praticar, mas em vão. Ele cedeu ao “audiovisual”, essa comunidade que encontra na tela, sem diferenciações, onde tudo é programado para ser adaptado às plataformas. O resultado da sua primeira longa-metragem - “Podia ter Esperado por Agosto” - uma comédia romântica como a publicidade nos engana, é televisão quanto aos seus frutos e procedimentos.
Em alguns momentos, Mourão parece enganar-nos – se não fosse isto uma comédia de enganos, mas já lá vamos. Somos confrontados com o facilismo e a banalização que a cultura audiovisual, muito portuguesa, contaminou nos desejos de fazer cinema. Por exemplo, um pouco de contexto: a nossa história decorre numa aldeia em Arcos de Valdevez, em contraste com cenas avulsas da cidade de Lisboa - nada de fascinante em relação à metrópole porque a narrativa não se mostra interessada num embate à la Dickens - contudo, existe uma sequência que nos soa a um virtuosismo vaidoso, em que a praça dessa mesma aldeia é “palmilhada” por diferentes habitantes, personagens e até gado. A câmara acompanha circularmente essa multidão gota-a-gota, manifestando calculismo e meticulosidade em criar cada movimento como um simbolismo à rica vida deste meio rural, até que o protagonista, também ele César Mourão, invade a tela e percorre a praça em direção a uma ruela.
A lente segue-o até que, a certo momento, esta parece levitar. Mais um pouco até ser humanamente impossível a sua altura e aí damos de caras com um drone, artifício exaustivamente confundido com os interlúdios de telenovelas, banalizando-se nessa linguagem publi-televisiva, e, por sua vez, auferindo um conceito de imagens emancipadas do homem. Há um perigo nesta massificação, o faz-se pela artificialidade e pelas baixas orçamentais (mais barato que uma grua, por exemplo, hoje cinematograficamente obsoleto). Portanto, o drone está vulgarmente presente. É uma praga e deve ser declarada como tal! Chamem o exterminador, por favor!
Porém, não poderia deixar de abordar um outro “elefante na sala”, este também muito impregnado nos conceitos mercantis do “cinema popular português”, que é o argumento e a ingenuidade com que se resolvem todos os conflitos. Neste caso, como havia mencionado, é uma comédia de enganos. Nada contra, burlas e charlatanices fazem paródia e carimbam o absurdismo que merecem, mas o lado romântico e como um mero “Amo-te” justifica as maiores barbaridades cometidas é assunto urgente para debate. Os espectadores contemporâneos são outros daquilo o qual estes filmes são pensados, queremos acreditar que sim, demasiado cínicos para acreditar em “contos de fadas” e, pior ainda, o cinema, por vezes romantizado e escapista, deixou de estabelecer esse delírio há muito.
Nem pela Júlia Palha, ‘coisas’ destas se fazem…