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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Noémie, a anti-virgem?

Hugo Gomes, 20.11.24

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Não pretendia seguir este ponto, por isso perdoem-me a hipocrisia ou até mesmo a subjetividade dentro da subjetividade, e vamos encarar como tal: este “Emmanuelle” é, enquanto suposto “filme erótico”, um objeto deveras entendiante. O que supostamente não seria um sentimento vivido neste subgénero tão em queda, mas se nos novos tempos cinematográficos - oscilando pelo progressismo sexual e um certo puritanismo em outras frentes - o erotismo parece não ter espaço lúdico no ecrã. Culpamos o quê e a quem afinal? A expansão da pornografia, enquanto pseudo-indústria ou a acessibilidade virtualmente sem obstáculos? Os novos moldes e pensamentos da intenção erotizada? A expulsão do olhar masculino [“male gaze”, academicamente falando] deste género? Ou a sua desconstrução primordial, muitas vezes ao serviço de uma cultura, que a direita adora exclamar indignamente como, woke? Fica os culpados em suspenso. 

A refilmagem de “Emmanuelle” de Audrey Diwan (“L'Événement”) é uma busca pela dignidade da própria personagem, esta eternizada por Sylvia Kristel num problemático filme de 1974 [de Just Jaeckin], que resultou num franchise enormíssimo e com foz em absurdos (“Emmanuelle no Espaço”, por exemplo). Sem Sylvia, é Noémie Merlant a vestir a personagem criada por Emmanuelle Arsan, que bem poderia chamar-se algo como Patrícia ou até Jéssica que o resultado seria o mesmo (nunca é chamada pelo nome que serve de título), uma mulher bem-sucedida no sentido lato ou intensificado na literatura de cordel, em Hong Kong ao serviço da sua empresa, explorando o biótipo de um hotel luxuoso enquanto debate com o seu (fugido) prazer. Basta reforçar o velho esterotipo do Poder com a frivolidade e daí o sexo sem sabor, preenchido com o mistério de um hospede intrigante e errático. “Emmanuelle” tenta desconstruir a fantasia e o desejo numa extensa conversa de engate de verborreia pouco imaginativa (Rebecca Zlotowski, co-argumentista, foi mais espontânea no seu deleite “Une fille facile” do que na lascividade dos outros), e a câmara de Dwan entende-se como demasiado tímida para prosseguir na aventura desta mulher à beira de um orgasmo. 

O final, talvez o único momento de erotismo no sentido estético, efabulado em jeito softcore a manifestar-se na réplica de Wong Kar-Wai trambolho, não compensa a jornada de uma heroína sem grandes empatias num filme sem grande tesão. Mas já deveríamos esperar tal resultado, os créditos iniciais apresentavam um N vermelho … maldita Netflix, a contribuir para estes objetos assexuados sem eira, nem beira.