No Pain, No Gain, No Genre
Um animal estranho... e é dessa estranheza que um “Love Lies Bleeding” permanece vivo [“alive and kicking”], sem com isso ser-se reduzido a um mero “OFNI” - «objeto fílmico não identificável». Ao cedermos a tais etiquetas estamos a defender um território quebradiço que é o enquadramento de géneros. Com certeza, que hoje em dia, o tema transita para bandejas sociais e identitárias, o qual por vezes esquecemo-nos da categorização de géneros imposta pela indústria cinematográfica, ansiosa por capitalizar formatos e fórmulas. A realizadora Rose Glass (“Saint Maud”) lida com tais limitações, tornando as suas barreiras líquidas neste romance atípico entre a filha do “homem mais temido da região” (Kristen Stewart) e uma errante fisiculturista (Katy O’Brian) que por acidente atravessou o seu caminho.
Entre o teor romântico que passa pelo crime ambientada em sociologias de “América Profunda”, os dramas de dilema até à ação, e piscando os olhos, e em constância, ao body horror traçado algures entre David Cronenberg e Julia Ducournau, cujos corpos, as suas mutações e empenhos, a vontade de ser algo mais do que carne e osso, desejos impuros que ambicionam devaneios e “pedradas” à realidade. É certo que esta gincana de géneros cinematográficos, um “shaker” proteico com acréscimos de sangue e suor, físicos contrastados e sujo sexo, poderão levar, e aí a “estranheza” como mal predefinido, aos espectadores mais centrados na organização fílmica a repudiar a sua cadência obstinada. Porém, a transcendência desses géneros leva-nos a outros géneros, onde o tal espectador desanimado poderá “bufar” com mais afinco perante a identidade fluída e a sexualidade pregada neste conto ao peso da bala e de esteroides.
É um amor lésbico, signatário de uma tendência queer que renega a própria e dita estética, é trans na forma como coloca esses temas num corpo de cinema másculo, por vezes toxicamente masculino com aproximações a um universo Nicolas Winding Refn, obviamente sem a sua personalizada coloração neon embriagada. Nessa transmutação, permanecendo-se numa “estética de ódio” em substituição à badalada prótese queer, as porosidades desencantadas, a música em diegese temporal, conduzindo a um filme tipicamente 80's em spines introspectivos. Por outras palavras, é indigesto e seguidamente vintage, mas curiosamente estranho para causar nele um certo fascínio pelo bizarro, pelo transumano e pela subversão das expectativas enquanto o género, seja ele qual for, condiciona.
E o final é essa provocação, ao previsível, ao coerente, à razão de uma fluidez narrativa. Tudo é abate, desde géneros cinematográficos até a estéticas estabelecidas.