"Never dumb down the audience"; James Mangold haveria dito, ombro-a-ombro com Bob Dylan
Quando me refiro a James Mangold como um “bom tarefeiro”, não estou, de forma alguma, a reduzi-lo a uma espécie de “faz o que basta” ou a alguém incapaz de se apresentar como um cineasta de pleno direito. Não, não o coloco nessa posição depreciativa, até porque Hollywood foi habitada por décadas de grandes tarefeiros. Basta lembrar que, em Fevereiro, a Cinemateca irá dedicar-se a Michael Curtiz, um exemplo paradigmático de um tarefeiro que participa no debate da autoralidade.
Quanto a Mangold, especificamente, atribuo-lhe essa designação por uma razão concreta: ele é o “o homem perfeito para trabalhos” que os estúdios querem impor, sem nenhuma estrutura egocêntrica que o impeça, os efetua acima da mera eficiência, “A Complete Unknown”, o esperado biopic (a award season tresanda a esse subgênero) sobre Bob Dylan, é um exemplo disso mesmo.
No filme, Timothée Chalamet - que, ainda que ultrapasse a sua habitual postura de desapego Gen Z, nunca nos convence totalmente ser o Dylan na mimetizada forma – mas, enfim, o cinema não está aqui para se colar à realidade e o verdadeiro aprovou o desempenho, por isso quem somos nós para o contrariar - interpreta o cantor enquanto este transita de um desconhecido errante para o cantautor (e poeta, para agradar à decisão do Nobel) que conhecemos tão “bem”. Um dos momentos altos do filme decorre no Newport Folk Festival. Após Johnny Cash (interpretado por Boyd Holbrook, “Logan”) ter dominado o palco, Dylan apresenta-se de seguida diante de uma multidão tradicionalmente ligada ao género folk. Na plateia, a sua, digamos, “namorada”, interpretada por Elle Fanning, encoraja-o de longe apenas com o olhar, espera ver o seu “graúdozinho” a brilhar.
É então que, de guitarra em riste e com a harmónica suspensa ao nível do seu beiço, Dylan começa a cantarolar “The Times They Are A-Changin’”. Primeiro, há o silêncio da estranheza – uma canção nova, um lirismo esperançoso -, e por fim, o público, rendido, entra ao rubro. Nasce aqui o momento de glória de Dylan: um artista, uma estrela, no sentido mais vulgar do termo. A câmara corta então para o rosto de Elle Fanning e se aproxima lentamente. Os seus olhos, entre o deslumbramento e a tristeza, encharcam-se com as lágrimas que eventualmente irão lhe escorrer pela face. Nesse preciso instante, ela sabe: Bob Dylan já não lhe pertence. O ‘vagabundo’ que acolhera meses antes, com quem imaginara partilhar o quotidiano, é agora do Mundo.
Mangold transmite tudo isto apenas com imagens (e, claro, a música, perfeitamente alinhada com o efeito pretendido). Nada é explicado de forma redundante, como o próprio realizador mencionou recentemente num podcast [“The Director 's Cut. A DGA Podcast”], evita ao máximo os “dumb downs” para o espectador, criticando os estúdios por tratarem as audiências como se fossem cada vez mais “parvas” – e estas, numa espécie de Síndrome de Estocolmo, cedem sem resistência.
Isto, sim, é ser um “bom tarefeiro”: o realizador das fragilidades (talvez seja esse o ponto em comum entre as suas obras), nunca condescende perante o espectador. O oposto, diria, do tarefeiro-mor (aqui, sim, em sentido pejorativo): Ridley Scott.