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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Nesta realidade alternativa The Beatles vão, mas Ed Sheeran fica!

Hugo Gomes, 26.06.19

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Imaginem que, de um momento para o outro, nenhuma vivalma se lembra dos The Beatles, exceto vocês … o que fariam?

Para o músico falhado Jack Malik (Himesh Patel, em estreia absoluta no cinema após anos na televisão), esta anomalia é a oportunidade de conquistar a carreira que tanto ambicionava e muito mais que isso. "Yesterday" mexe em lapsos temporais e poderia suscitar um debate sobre a importância da mítica banda britânica na herança musical e na contemporaneidade da cultura pop.

Poderia? Danny Boyle, ao serviço de Richard Curtis (um dos mentores da comédia romântica dos anos 90 e na viragem do século, com “Notting Hill” ou “Love Actually”), apenas entrega o açúcar pretendido por uma audiência esquecida do fenómeno "beatlemania". O que acontece é que toda esta jornada de ascensão no mundo da música sempre resultaria num filme marcado pela devoção ao legado da banda. Mas não é isso que está em causa.

Para explicar este anti-fenómeno, destacam-se duas cenas que se conjugam, quer simbolicamente, quer sequencialmente: a primeira, a reunião entre os não “olvidados” e um “submarino amarelo” à mistura e a segunda, um reencontro inesperado pronto a fazer explodir corações "beatlemaníacos". São momentos que rasgam ocasionalmente o filme da sua capa estereotipada e declaram o pouco amor que tem pelo espólio que usufrui. Mas algo está mal aqui. Aliás, no final da segunda sequência, um abraço apertado é automaticamente cortado (como ferimento certeiro, mas doloroso) pelo novo single de Ed Sheeran. Um autêntico balde de gelo para quem procura um filme em total órbita com essas temáticas e não lisonjeando o contemporâneo ruivo cantautor e toda a cultura pop adjacente.

Soará a implicância, mas só a referida atitude, de usar o “moderno” como transcrição entre atos, é uma representação de que este “Yesterday” deseja falar para os mais nostálgicos, aqueles amantes desses filmes de mel e purpurinas que ajudaram a estabelecer um género. E para isso, em certo tom niilista, converter tudo a uma miopia cultural. Para o “manda-chuva” Richard Curtis, The Beatles é somente o impasse das escolhas românticas dos protagonistas ou da generalização infantilizada dos males capitalistas. Como um “Stop in the name of the money” [“Parem em nome do dinheiro”] que grita desesperadamente Kate McKinnon, a agente sem compaixão, após a epifania que sublinha a negrito o moralismo cristão-sedentário do qual chamamos de final.

É como queimar livros, ou neste caso, queimar discos para erguer o produto ingénuo e imaturo trazido vezes sem conta por esta indústria viciada. A juntar a isto, este é um dos trabalhos mais fracos de Danny Boyle no que requer à montagem, fazendo uso de uma estética desengonçada e de planos na diagonal sem provas de existência, um olhar tão “Trainspotting” que não funciona perante o brinde de estúdio e de corações amolecidos deste “Yesterday”. Um verdadeiro engodo.