Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Nem com três Avé Marias o nosso desejo inibe …

Hugo Gomes, 28.07.20

maxresdefault.jpg

Partimos do pressuposto que não existe revolução social sem a dita libertação sexual, nesse sentido encararemos um pequeno filme como este “Yes, God, Yes” como um subtil punho erguido, ou, de forma a apropriar o contexto da obra, uma mão (nada invisível) nas partes baixas.

Extensão de uma homónima curta-metragem (2017), a realizadora Karen Maine (que assume similaridades autobiografias aqui) centra-nos na história de uma jovem cristã (vindo de uma família ortodoxamente católica, e frequentadora de uma escola de iguais doutrinas religiosas) que em certo dia, durante uma aula de educação sexual (na sua forma possível dentro do selo da castidade), é lhe ensinado que o sexo é somente legitimo para fins de procriação (e, ressalvando, depois do matrimónio), pelo meio ainda houve de condenação eterna pelo pecado infernal que é a masturbação. Foi através dessas palavras, que a protagonista, Alice (Natalia Dyer, sob o holofote do êxito da série “Stranger Things”), decidiu na sua pura ingenuidade aventurar-se pelo “país das maravilhas” do tal “cyber sexo” e consequentemente provar os sabores da sua própria carne. O ato foi interrompido a tempo, mas já era tarde demais … a “porta” foi aberta, e que muitas questões surgem de lá.

O cómico, e em certa parte trágico deste subtil coming-of-age, está na ridicularização da própria instrumentalização do sexo por parte da Religião, o qual usufruem como uma ferramenta de constante opressão e repreensão. Só que ao invés de se estender na interveniente propaganda, no óbvio “in your face” como muitas das produções que surgem (e surgirão) nos círculos independentes norte-americanos, “Yes, God, Yes” transcreve essa crítica, focalizada mas de leitura abrangente, para o conflito interior da sua personagem principal (curiosamente, também protagonista da curta génese). Nesse aspeto, Alice é a heroína de uma fábula sobre a importância dos nossos prazeres como estandarte de uma revolução iminente, que triunfa até mesmo na emancipação declarada.

Conduzindo-se por objetivos modestos, Karen Maine não interessa, com isso, despoletar um tumulto algum, o que importa na sua causa é a superação pessoal, o desenvolvimento da sua personagem-espelho como a sua atingida satisfação. E verdade seja dita, dentro do enorme puritanismo que indústria norte-americana parece ter sido atingida (qualquer que seja o orçamento), um filme que nos fale de sexo tão naturalmente como aqui e principalmente da masturbação com alguma compaixão (com ou sem lente religiosa, continua como um ritual de estigmatização e de associações perversas no cinema), é uma verdadeira [pequena] revolução.