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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Não se trata de um homem, trata-se de um amor profundo

Hugo Gomes, 04.10.15

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"O cinema precisa de ser falado" e é com obras como esta [João Bénard da Costa: Outros Amarão as coisas que eu Amei] que o diálogo entre o espectador e o grande ecrã faz-se em reflexo com o amor de outra pessoa. Manuel Mozos (Xavier, 4 Copas) incute essa paixão partilhada que dificilmente perde o seu inflamável calor da veneração, através de um envolvente registo poético que transfere a vida de um dos mais célebres (porém, ele próprio não assume), cinéfilos do nosso país. Se é bem verdade que a sua partida [em 2009] deixou a cinefilia mais pobre, aqui neste documentário preenchido de memórias, a sua riqueza identitária deixou uma herança bonificada, pronto a ser explorada.

Programador, crítico e diretor da Cinemateca-Portuguesa Museu do Cinema [a sua casa-mãe], João Bénard da Costa é uma figura incontornável para quem efetua a veneração cinematográfica no nosso país, ele foi um homem ligado ao misticismo do passado sempre em mudança e imutavelmente estampado através do retrato, as figuras que permanecem imortalizadas enquanto os nossos restos se converterem em cinzas e integram o substrato térreo. Porém, tal como se evidencia neste seu retrato, o corpo é simplesmente e dura descartabilidade, mas é a alma que vagueia por uma eternidade desconhecida mas sugestiva através do poder das imagens.

Nesse termo, "João Bénard da Costa: Outros Amarão as coisas que eu Amei" faz todo o sentido existir, e a decisão de Manuel Mozos em não construir uma singela biografia, e sim uma jornada pelo valor estético e as suas ligações primordiais com um esoterismo, não religioso, mas artístico. É pois, um filme sobre a arte, o argumento desse amor, e essa tentação cinematográfica sempre presente como um fantasma visitante, tal como é exaustivamente comparado com The Ghost and Mrs. Muir (Joseph L. Mankiewicz, 1947), um dos assumidos filmes prediletos de Bénard da Costa. É um reflexo sobre a vida além morte, com claros vislumbres à jornada de um homem feito, um eterno declarante da 7ª Arte, até aqui exposto como a forma mais viável de tornar imortal a respetiva imagem, outrora sombra de um ser vivente.

Essa constante autoanálise, uma narrativa intercalada entre a linguagem própria do cinema (Ordet, de Carl Theodor Dreyer, o seu "favorito" Johnny Guitar, de Nicholas Ray, e até mesmo a mentira prolongada da cinematografia de Lubitsch) e os seus escritos lidos pelo seu filho, funciona como uma das pinceladas que contribuem para este esplendoroso retrato, o retrato de Bénard da Costa, o seu íntimo hino de amor ao cinema partilhado por todos. Até porque, tal como indica o título - Outros Amarão as Coisas que eu Amei Costa não está, nem esteve sozinho. Esta relação com o Cinema permanece intacta, cada vez mais amada, mesmo que as memórias tende em tornar-se mais distantes, mas com imagens projetadas em tela, que tudo torna-se numa razão de existência. Do Cinema com Amor!