Na graça de Greice ...
Novamente Lisboa! Não “uma” qualquer, a Lisboa de Leonardo Mouramateus, brasileiro vivendo como Colosso de Rhodes nestes dias - um pé em cada margem - fazendo da capital o seu biótopo, envergando-se num imperativo olhar “estrangeiro”. E é essa Lisboa com que ficamos, porque é nessa mesma que habita Greice, jovem estudantil, algo fura-vidas e com uma particularidade, uma mentirosa nata, e através disso, mesmo sem intenções de má-índole, a convivência com ela torna-se algo difícil, não só para as personagens do seu universo, como para nós, espectadores.
Talvez seja nesta mesma figura, a de Greice, com encantamento próprio, graças ao corpo e alma de Amandyra, o qual nos deparamos com o melhor e o pior que esta obra tem para nos oferecer, e portanto, um desafio à nossa sensibilidade, ou hipersensibilidade empregada nos espectadores hoje de poderes atribuídos. Até porque Greice detém as marcas burlonas de quem se “vira como pode na vida”, por vezes sem olhar a meios a quem prejudica, mas igualmente exibe um lado doce, jovial e vivido, e uma fantasia às telenovelas que Mouramateus parece partilhar fascínio, que faz querer a sua companhia, com alguma distância é certo, isto envergado no dito olhar do realizador, essa perspetiva de Lisboa longe de miserabilismos e classes médias baixas, apenas imigrantes com alguma sorte na sua fatura e com Belas Artes no horizonte (vejam, a estátua de São Jerónimo, o primeiro artefato a sair da escuridão-génese do filme).
“Greice” espelha os mesmos trilhos do realizador em outros 'andamentos', nomeadamente a da sua anterior longa-metragem “A Vida São Dois Dias”, este “homesick” [saudades de casa] embrulhado numa certa recusa de voltar, um desraizamento e suave negação das suas origens. Lisboa, novamente essa, o lugar de pertença às suas figuras que se dão pelo nome de personagens e curiosamente é nessa mesma cidade que Mouramateus revela-se mais esmerado nos planos e nas suas conduções (existe um flashback integrado à ação, cujo um quiosque assume tendências antonionianas). Depois conta-se sempre com o seu “muso”, Mauro Soares, a servir de “pau mandado” [no bom sentido] a este imaginário citadino.
Contudo, o desafio imposto por Greice, essa menina-migrante sedutora, que engraça como subsistência, e o de enquadrar-se numa espécie de bolha. Talvez seja isso mesmo que nos compele a distanciar-nos da jeitosa órbita da protagonista. Há algo nela e nas suas companhias “alfacinhas” de privilégio ou de uma nova “burguesia à rasca”, ligadas a esoterismos e moralidades pré-fabricadas.