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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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"Mestres Japoneses Desconhecidos": o cinema nipónico para lá dos cânones

Hugo Gomes, 03.11.21

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"Mestres Japoneses Desconhecidos" é o título de uma trilogia improvável que é proposta pela The Stone and The Plot, uma distribuidora e produtora independente portuguesa que tem vindo a "quebrar" maldições nos últimos tempos com o lançamento comercial de “O Movimento das Coisas”, de Manuela Serra e a edição portuguesa do amado estudo de Donald Richie ao mais japonês dos cineastas japoneses, Yasujiro Ozu.

A proposta é a seguinte: trazer para Portugal obras inéditas fora do Japão, oriundas da Nikkatsu, o mais antigo e duradouro estúdio, e filmes que refletem bem essa coletividade de gestos diferentes e da máquina industrial que se vivia na altura - uma Hollywood japonesa. Curiosamente, todos datados de 1955 e que abordam, cada um à sua maneira e feito, a ocidentalização do Japão após a Segunda Guerra Mundial (1939-45) e a resistência da tradição como réstia de uma memória do passado gradualmente distante.

 

The Maid’s Kid (Tomotaka Tasaka, 1955)

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Dentro do trio de "Mestres Japoneses Desconhecidos", “O Menino da Ama” (“The Maid’s Kid”) é dos mais convencionalmente melodramáticos, não se querendo com isto rejeitar a sua subtileza dramática e a afinidade emocional, cozinhadas em lume brando. Considerada a obra-prima do realizador Tomotaka Tasaka, o filme segue a jornada de uma jovem rural num trabalho enquanto “criada” numa família abastada dos subúrbios de Tóquio. Ingénua, mas de coração dedicado, depressa a rapariga conquista o seio da família, principalmente a do mais novo membro, tornando-se no substituto de uma mãe “ausente” e desapegada.

O Menino da Ama'', tal como os outros filmes deste ciclo, descreve um Japão contagiado pelo Ocidente, embrenhado na derrota bélica e com a ânsia de rejeição do tradicional. Nesse sentido é possível constatar através do subtil contraste entre as periferias de Tóquio, onde grande parte da ação decorre, entre as idiossincrasias da família empregadora e a gélida comunidade montês que preserva rituais do arco-da-velha com um saudosismo carinhoso. Porém, este filme não vive totalmente desse contexto sociopolítico e sim da franqueza sentimental que nos traz este enredo de adoções afetivas, e no seu centro uma atriz, Sachiko Hidari (a inocente ama), em quem a câmara confia os mais expressivos grandes planos do cinema nipónico.

Ponto de curiosamente, a mesma atriz que nos traz a bondade em forma humana, trouxe-nos oito anos depois um papel arrojado e sensualíssimo em “The Insect Woman”, de Shohei Imamura.

 

Ginza no onna (Kozaburo Yoshimura, 1955)

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O filme que antecedeu num ano o derradeiro “A Rua da Vergonha” / “Street of Shame”, de Kenji Mizoguchi (1956), e cujo espírito foi transladado para os tempos porno-romanescos do estúdio Nikkatsu, como por exemplo “Noites Felinas em Shinjuku” / “Night of the Felines”, de Noboru Tanaka (1972).

“Ginza no onna” / “As Mulheres de Ginza” é um turbilhão comunitário de um grupo de gueixas na decadência da sua profissão, todas elas cientes da extinção do seu meio vivente e esboçando planos para a sua eventual sobrevivência. Seja por apadrinhamentos, lotarias ou persuasões dos seus clientes, o realizador Kozaburo Yoshimura, com colaboração com um guião de Kaneto Shindô, enquadra a resistência destas “pseudo-tradicionais” num Japão em constante negação das suas mudanças sociais.

Existe aqui um tom de festividade fúnebre, um certo otimismo na derrota a que todas estas personagens parecem estar condenadas. Contudo, o aguçado humor é um antídoto à previsível negritude do movimento frenético deste quotidiano, onde as mulheres são independentes entre si, como o improvisado jazz que intervém ocasionalmente na trama, para que no terceiro ato se reúnam enquanto “família” em prol de uma causa.

Novamente, são encontrados aqui os contrastes entre metrópole/campo, tentando com isto sugerir um embate de classes sociais (e artísticas, com o seu quê caricatural à veia existencialista importada do Ocidente), nomeadamente um “campo” deixado ao abandono, onde uma só vaca adquire um estimável preço de subsistência.

 

A Hole of My Own Making (Tomu Uchida, 1955)

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Quanto às mudanças sociopolíticas do Japão, “A Hole of My Own Making” / “Cada um na Sua Cova” é um dos mais literais na sua representação. Há nele um país de costumes moribundos que deseja resistir à sua ocidentalização, a América como destino desejado e os nostálgicos sem lugar nessa mesma idealização, escorraçados para vidas errantes ou drasticamente deserdados.

Começamos com um “morto”, ou diríamos melhor, alguém que deseja viver como tal, um “vagabundo” convertido que descansa na sua literal cova, como um repouso merecido após viagens intermináveis pelas fábricas pré-guerra abandonadas e os locais que trazem memórias desvanecidas. Depressa julgamos estar perante o protagonista desta história, mas enganamo-nos, é numa boate na companhia de um médico Don Juan que nos apercebemos do erro, acompanhando um homem descaracterizado e sem moral, hipnotizado pelos tesouros prometidos do outro lado do Pacifico, a América como destino desejado, e que, mesmo assim, se enamora pela mais tradicional das mulheres com quem tem contacto.

Tomu Uchida dirige um filme sobre essas rápidas metamorfoses e as adesões de um país refém e com um não declarado Síndrome de Estocolmo. O final, destrutivo e pesaroso, revela a perda como ganho de uma nova identidade. “Cada um na sua Cova” é um ensaio que lança algumas das sementes que a Nova Vaga Japonesa iria requisitar com todo o gosto.