Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Menino ou menina? Não, cápsula!

Hugo Gomes, 07.08.23

AW045a0g

A fertilidade como ato político. O útero como palco de batalha. Próxima fronteira: a maternidade.

"The Pod Generation", o regresso ao distópico e ao transumanismo de Sophie Barthes, iniciado pelo conceitual "Cold Souls" e pausado na paragem ocasional no romance de Gustave Flaubert ["Madame Bovary" com Mia Wasikowska], é um futurismo projetado como dissertação político-social, começando pelo afastamento da humanidade de suas raízes naturais, seja pela Natureza propriamente dita, seja pelo elo orgânico que codifica a nossa existência animalista, entre elas, o tópico central da intriga, a fecundação.

Neste episódio à la "Black Mirror" (termo normalizado para classificar possíveis vidências da posteridade), seguimos um casal que planeia expandir a família e opta por aceitar o programa numa clínica de fertilidade sintética, ou seja, fecundar através de uma cápsula artificial, livrando assim o corpo da mulher das transformações que isso acarreta, da dor de parto e, sobretudo, da responsabilidade acrescida, dependendo desta forma de uma empresa para administrar o seu "rebento". Numa das passagens do filme, o casal-protagonista (interpretado por Emilia Clarke e Chiwetel Ejiofor) ao sair da referida clínica depara-se com um protesto de mulheres em relação ao negócio desta, clamando por partos naturais como gestos de emancipação feminina (a experiência de mulher a validá-la como tal). 

"The Pod Generation" segue essa ideia base (aquela cena determina o discurso da metragem), assim como o contraste do casal (ela mais dependente da maquinaria da sua modernidade, ele preservando uma ligação do Homem para com a terra que o gerou) para nos servir um exercício de reflexão quanto a elementos triviais e familiares, obviamente, e em jeito moral, optando pelo sentimento maternal (ou paternal) numa hipotética sociedade fria, mecânica e crente da inteligência artificial (aqui em voga com a normalidade das normalidades), em que o “cordão umbilical” é transfigurado como escassa vitamina para uma comunidade doente. Uma Humanidade que não sonha e com isso não imagina, não cria, apenas move em função dos seus instintos primordiais. Uma disfunção (e nunca encarada como tal) mencionada com cinismo num passeio pelas creches futuristas. 

Desta forma, Barthes parte do ponto de partida, naquela imagem da sua estreia em 2009, com Paul Giamatti agarrado a um grão-de-bico o qual serve como (decepcionante) representação da sua alma, os seus “entorses” existencialistas retirados como apêndice. Em "The Pod Generation", é o parto, esse avanço individual ou coletivo, um "mal" social a ser erradicado para um facilitismo à nossa passagem neste mundo, porém, como todos os facilitismos gerados, o capitalismo será sempre a razão para a sua eficácia ou controlo. Neste caso, interpretando um invisível antagonista aos moldes tradicionais e familiares que herdamos quase geneticamente.