"Mariphasa": tornar a escuridão amiga do espectador
Em entrevista ao C7nema, o argumentista Tiago Santos (colaborador habitual dos filmes de António-Pedro Vasconcelos), especificou o medo de um certo cinema português no simples ato de contar uma história (com isto dificultando o trabalho de argumentista no mercado cinematográfico nacional), obviamente alicerçado com outros problemas fundamentais.
Em “Mariphasa”, a segunda longa-metragem de Sandro Aguilar, o enredo é algo coexistente com a ambiência de um filme que envia o espectador, literalmente, a um mundo às escuras, ao invés de se assumir na imperatividade do guião. Fragmentado e envolvido num eterno jogo de mistério, Aguilar, exercitado após 14 curtas, uma longa, e claro, um trabalho excepcional na produção nacional, envolve-se numa obra em que os cenários se alargam infestando toda uma suposta clareza narrativa.
Contudo, e talvez repescado a sua primeira longa de estreia, “A Zona”, onde um simples lugar passa automaticamente a um não-lugar e sucessivamente a um estado de alma, em “Mariphasa” esse ciclo de passagens é desfasado por uma tendência de codificação. O espectador não possui nenhum alicerce, é somente atentado em seguir o percurso até ao fim, abraçando essas trevas, essa experiência, ou renegando todo este efeito, da mesma forma que o desconhecido se converte num medo mortalizado.
Confessamos que neste trabalho de Sandro Aguilar há todo um esforço conjunto por todas as partes, desde a fotografia [admirável] de Rui Xavier, até à sonoplastia aliada desta atmosfera tenebrosa (Miguel Cabral e Tiago Matos) e obviamente um elenco empenhado em atribuir vida a estas personagens em cacos, do ponto vista argumentativo. É cinema sensorial, isso sim, damos a mão à palmatória ao realizador (também autor do argumento), mas dentro desta panóplia de sensações, um território povoado por monstros em busca da sua respetiva redenção (o próprio título é a palavra-chave de toda esta conversa, mais precisamente por invocar a planta-antídoto à maldição do Homem-Lobo na versão de 1935), existe uma venda que o impede de se tornar mais do que o mero exercício técnico.
Em “Mariphasa” nada é gratuito, aliás, nada é dado como adquirido, há que merecer o filme, mesmo que o resultado seja mais próprio que universal.