"Mandy": a violência tem a sua razão de existência
Nicolas Cage enfurece, enlouquece, delira e, à sua maneira, excita. O ator de pedigree que tem vindo a tornar-se numa autêntica anedota em solo cinematográfico (salvo algumas exceções) é a chama olímpica de um trabalho sonoro-visual de autoconsumo, não deixando qualquer saída ao espectador.
“Mandy”, sob os rasgos da ultraviolência dos splatters e dos revenge porns da década de ’70 (com promessas de vintage à la 80), é um fruto do seu acaso sucesso, um aluno aplicado das suas romarias induzido numa rebeldia de atração. É um exercício prolongado, quer da violência estetizada, quer a liquidez de um videoclipe “prog rock“, quer no visual fluorescente que contamina um rol de planos em constante transposição e na simetria idealizada. Por outras palavras, “Mandy” é um quadro emoldurado que ganha portento numa projeção em grande ecrã, mas essa mesma beleza intoxicante esconde um vácuo pleno no seu discurso.
O que vemos depois da violência? Enquanto Rob Zombie através de uma mão cheia de filmes pagãos e hereges (cada um à sua maneira) reforçava esse show bizarro de gore visto e revisto, confrontando o espectador ao mediatismo dessa mesmo instinto animalesco, tão presente quer no passado ou nos nossos dias (nesse aspecto, filmes como “Lords of Salem” e “31” dispuseram desse feito), Panos Cosmatos é simplesmente indulgente na sua visão. Parece hipocrisia referir inconsequência em ensaios de horrores e sangue a rolos entre “Mandy” e Zombie, mas até mesmo na violência gratuita encontramos respostas aos seus ideais.
O terror foi feito para ser mais do que um paupérrimo selo de venda, é transcendência de uma arte ou de uma mensagem, a metáfora ao exercício de estilo. No caso de “Mandy”, a saturação do seu “eu” leva-nos a um narcisismo autodestrutivo. Aliás, isso mesmo, um filme em contagem decrescente para a sua morte súbita. Poderia ser isso, porém, Cage aguenta a pedalada, carregando às costas este primo menor de Refn (sem a sua dita espessura de psicanálise), que à imagem ... peço desculpa … ao som da sua banda sonora (da autoria de Jóhann Jóhannsson) converte-se em somente música ambiente. A esta altura do campeonato precisamos mais do que enfeites.