"Maidan": julgados em praça pública
O bielorrusso Sergei Loznitsa regressa ao cinema documental após um hiato que consistiu no trabalho de duas longas-metragens de ficção (“My Joy”, “In the Fog”). O seu retorno dá-se com o mediatismo dos tumultos da Praça de Kiev (Maidan como é chamada), que decorreram entre dezembro de 2013 a fevereiro de 2014, conduzindo ao exílio do Presidente da Ucrânia, Yanukovych. Este é um documento visual, recontado por uma câmara estática e isento de qualquer discurso político, mesmo que o cineasta demonstra em demasia um certo afecto pela causa popular sem questionar as ambiguidades das suas exigências. O que assistimos em cerca de 130 minutos de filme é um portento de imagens expressivas que evidenciam as diferentes fases de uma manifestação, começando por um comício digno de uma "Festa do Avante", até desesperada, e de certa forma triunfante, revolta popular.
Um conflito que é marcado pela densidade emocional que Loznitsa tece na sua edição e selecção de imagens, onde os discursos dos ativistas conduzem o espectador a uma consolidação com os manifestantes de Kiev e a música evocada por estes, convertem-se automaticamente em elipses arrepiantes (o hino da Ucrânia revelou-se simbiótico com o papel cinematográfico de Maidan). Contudo, este é um filme observacional e experiencial (há quem lhe traça um vertente wisemaniana) o qual não se espera um teor crítico nem investigação ao tema, apenas uma recolha de uma câmara infiltrada que testemunha e que aufere às audiências um lugar de primeira fila no centro dos fortes ventos de mudança e a abertura de um novo capítulo, ainda longe do desfecho, da História da Ucrânia.
De certa forma, Sergei Loznitsa aludiu na praça de Kiev o cinema soviético de Eisenstein, onde o colectivo como uma personagem destemida, mártir dotado de sacrifícios para um bem comum (evitando a transformação epifânica do cinema de Pudovkin, visto falarmos em mestres soviéticos). Apesar de não existir grandes reflexões sociais neste retrato vivo, não é difícil ficar impressionado com a força destas imagens.