Lux in Tenebris
Interessa mesmo a razão por que Ana de Armas chacina como chacina? Interessa juntar os nós da suposta história em busca de uma coesão que os espectadores, hoje, ditam com fervor?
"Ballerina" respeita apenas um código: o do seu universo, e, consequentemente, o do seu conceito. Chad Stahelski, vindo da experiência como duplo, viu no cinema de ação americano um enorme flagelo. Era urgente inovar, não nas historietas, mas na ação: como é concebida, como é filmada, e, por fim, concretizada. Sem decupagens abusivas, e com coreografias que vampirizam o ridículo e o incoerente, surpreende-se com um bailado para com a morte, aquele abraço que se dá antes que o além se torne o nosso eterno lar. Um ditame, ou talvez um regresso, não às origens, mas às tendências esquecidas. As de Hong Kong, como bem sabiam fazer; ou de Jackie Chan, a vangloriar-se, nem que fosse no título “sem duplos”, com as acrobacias mais arriscadas como aquelas que poderíamos, boquiaberto, vislumbrar em “Police Story” (1985). Ou, como tem sido sempre, o Oriente: com “The Raid” e a sua magnum opus sequela (2011 e 2014, Gareth Evans), a demonstrar uma acção física, dolorosa, extracorporal, quase sobre-humana, um rodeo de homens contra homens, captado e espectacularizado. Nós, espectadores, sentimos-no na obrigação de contemplar.
Até hoje, não podemos negar: à luz dos riscos cometidos por Tom Cruise na sua saga “Mission: Impossible”, é em “John Wick”, a dominância da acção yankee. Porque dele geraram filhos (“Nobody”, “Atomic Blonde”); dele se reinventou o que urgia reinventar: o antídoto para a decadência do género. “Ballerina”, o spin-off, sem a graciosidade dos ringues de Keanu Reeves, é uma ramificação desse sucesso. Faz-se na graça e na paz dos seus anjinhos. Não há como negar, mesmo que Len Wiseman não seja, efetivamente, Chad Stahelski, tem apesar de tudo queda para a ação (ainda que tenha seguido pelos piores caminhos… um remake de “Total Recall”? Porquê??).
Portanto, ver “Ballerina” não é pagar bilhete para um espectáculo insólito, mas confirmar uma tendência. Uma fórmula — já confortável, enquanto fórmula que é. Acção na mestria da sua movimentação. Não vivemos épocas douradas, mas, com “John Wick” e os seus primos e filhos bastardos, testemunhamos algumas luzes… radiosas luzes. Com “Ballerina”, sentimos uma ligeira iluminação nesse ramo.
Para o Sérgio