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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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"Lucy In The Sky With Diamonds"

Hugo Gomes, 28.08.14

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Nos tempos que correm, de Luc Besson não se espera “grande” coisa, muito menos algo alegadamente astuto como este “Lucy”, mas para entender este “out of box” dos blockbusters de Verão devemos recuar uns “valentes” anos e nos afastarmos do cinema.

Em 1973, uma equipa de arqueólogos, que buscava artefactos sobre a origem humana na Etiópia, deparou-se com um fóssil de um hominídeo, na altura desconhecido para o Mundo, bastante mais antigo que os fósseis descobertos até então. Semelhante a um chimpanzé, mas com o crânio muito mais desenvolvido, os cientistas teorizaram que esta nova espécie possuiria um intelecto superior ao do referido primata. Os ossos ainda evidenciavam algo mais surpreendente: este animal conseguiria caminhar “erecto”, uma posição que ditou para sempre a evolução do Homem, fazendo com que largássemos as florestas arborizadas e caminhássemos pelas vastas savanas. 

O leitor de momento estará a perguntar qual a relação entre este facto com o filme protagonizado por Scarlett Johansson. Bem, esse mesmo hominídeo, tendo em conta os ossos da pélvis, era uma fêmea e curiosamente foi baptizada de Lucy. Reza a história que na altura da sua descoberta se ouvia no leitor de cassetes o single “Lucy in a Sky with Diamonds” dos Beatles. Pois bem, Lucy foi a “Eva da Ciência”, a primeira Mulher descoberta e a sua relevância para o conhecimento de onde viemos e como chegamos até aqui é crucial. Agora no mundo cinematográfico, Lucy será a primeira mulher, se não personagem, a atingir os 100 % de uso cerebral, de acordo com especulações científicas e pelo bom nome da sci-fy, um ridículo “what if” que surpreendentemente se torna num produto munido duma inteligência experimental e ao mesmo tempo lúdica.

Assim, iniciamos com a sequência de um primata a “matar” a sua sede num lago, nesta altura o cinéfilo apanhado de surpresa identifica tal cena com uma similar na incontestável obra-prima de ficção científica de Stanley Kubrick, “2001: A Space Odyssey”. Porém o leitor já deve aperceber e tendo em conta a longa divagação desta crítica que tal animal é Lucy, o dito hominídeo fêmea, o filme encarrega-se mais tarde de identificar a criatura, mas entretanto somo apresentados à nossa Lucy, uma vistosa Scarlett Johansson que, nos primeiros minutos, tem a difícil missão de entregar uma maleta de conteúdo desconhecido a um sujeito numa redacção de hotel em Taiwan [uma piscadela de olho ao mercado asiático].

Neste momento o espectador sente que algo não está bem e que depressa acontecerá o inevitável, um dispositivo que nos guia automaticamente ao enredo da fita. Luc Besson aufere assim ansiedade e ritmo a esta sequência inicial, usando uma montagem intercalar: enquanto Lucy se aproxima do seu alvo, as imagens de uma gazela a ser encurralada por uma chita intervêm sem aviso, invocando a memória das experiências executadas pelos cineastas russos (vêm à memória Sergei Eisenstein e a sua “A Greve” (“Strike), a constante mudança entre conflitos de sindicatos e a matança do bovino).

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Depois do enredo principal ter então arrancado, Morgan Freeman entra em ação em modo discursivo, introduzindo o espectador à premissa do filme, os ditos controlos cerebrais e suas consequências (ou dádivas). Como é óbvio a narração de Freeman é carismática, confortante e acima de tudo sábia, ele é o “gamekeeper” deste ensaio futurístico. Escusam de negar, a verdadeira intenção de “Lucy” foi apresentada muito antes do filme ser visto: quer no poster ou trailer, as condições do contrato deste novo produto de Besson é um exercício de possibilidades e nada mais. A capacidade de assistir ao próximo passo da evolução humana obviamente não passa de uma sugestão cinematográfica ou da teoria do mais fértil e imaginativo geek, mas o filme sabe “controlar” essa vertente e criar um espectáculo visual e por vezes narrativo.

Em segundo plano, são convocados todos os elementos dignos do já estabelecido cinema de Luc Besson: os tiroteios, lutas corpo-a-corpo, perseguições e, como não poderia faltar, uma França vista pelos olhos dos americanos. Ingredientes que tão bem sabem à “reinvenção bessoniana”, mas em doses menores e facilmente doseáveis. Mas “Lucy” prevalece como uma “ovelha negra” dentro desse mesmo rebanho, um filme pouco original que acaba por se tornar numa vistosa e desafiante fantasia científica. Por fim vale a pena salientar Choi Min-sik, visto no excelente “Oldboy” de Park Chan-wook , um arrepiante e magnético “vilão de serviço”, um complemento frenético com uma sedutora e fria Johansson.

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