Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Lembra-me de mim, por favor!

Hugo Gomes, 21.11.14

EAgora-5_joaquim.jpg

Logo de início, Joaquim Pinto alerta o espectador sobre os motivos que o levaram a filmar esta sua jornada de combate ao Hepatite C, ao mesmo tempo que adverte dos eventuais paradoxos que este registo filmado poderá apresentar. Uma declaração sincera de um filme que segue uma humildade transcendente e nisso é evidenciado no seu próprio ego artístico, por sua vez ofuscado pelo objectivo de reencontrar o íntimo, a força para carregar a "cruz" ou o sentido de toda a sua vida. Essas buscas são guiadas pela profundeza do seu ser, regidas pelos códigos cinematográficos que Pinto não consegue controlar: "O Cinema não é democracia, é tropa, com sargentos e generais".

Muito além do banal retrato do "desgraçadinho", o realizador procura em evocar dignidade no seu sofrimento, no seu perecer na rotina e na melancolia crescente, ao seu lado conta Nuno Leonel, companheiro e parceiro nas suas aventuras cinematográficas, é agora o cúmplice desta eutanásia fílmica. O suicídio encomendado de um homem que tem mais a perder na vida do que ganhar com o seu desaparecimento, e é sob esse jeito emotivo, fortemente inspirado num loop sentimental que Joaquim Pinto converte à sua própria religião, "demolindo" todas as colunas pagãs do seu anterior cinema e erguer-se num documentário em tributo do seu "eu" interior. Três horas parecem demais para um filme, mas para um ser humano, essa duração não chega a esboçar uma vida, a captar o sofrimento nem romper as saudades e conseguir a alegria do júbilo vivente.

Mas apesar disso, e tendo em conta que “E Agora? Lembra-me” é um filme aventureiramente pessoal, como obra cinematográfica apenas enfraquece em não conseguir jogar-se a um final digno da própria iniciativa ou como em certos momentos, salientar demasiado a exposição humana como um trivial espectáculo de marionetas. Não é perfeito na sua forma, porém, não o quer ser, mas funciona como uma das cartas de amor mais escaldantes do cinema português. A 7ª Arte como algo mais que um dispositivo para “contar de histórias” ou invocação de arte visual, e sim, um registo de vida.