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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Kim Longinotto: alcançando a história no feminino

Hugo Gomes, 09.01.14

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De carácter provocador coexistindo com um olhar sensível e de uma noção urgente de agir, Kim Longinotto é uma das mais badaladas e respeitadas documentaristas britânicas. Admirada por trabalhar com reduzidas equipas durante a rodagem dos seus documentários, Longinotto, que iniciou a sua carreira em 1976, é referenciada como uma importante voz na defesa das mulheres em todo Mundo, abordando histórias de opressão e discriminação, e demonstrando a figura da mulher nas mais variadas sociedades e em costumes tradicionais e religiosos.

Kim Longinotto estreia em Portugal, quer pela primeira retrospetiva do seu trabalho no nosso país como também da sua presença, a mulher por detrás de obras documentais obrigatórias a descobrir como Pink Saries e Iranian Divorce Style, acompanhou a programação do Cinema de Passo Manuel, Porto, durante o seu ciclo, intitulado de Histórias no Feminino, que decorreu nos dias 28 a 30 de março de 2013.

Sendo que este tributo de carreira foi acolhido com entusiasmo, cujos documentários serviram de objeto de estudo para varias questões éticas e humanas da mulher na sociedade, o mesmo aconteceu com a vez da cidade de Lisboa acolher a retrospetiva, exibidas no Cinema City Classic de Alvalade nos passados dias 4 a 7 de abril. A Cinematograficamente Falando … esteve presente no ciclo e assistiu a dois dos mais badalados filmes, visões únicas de uma autora delicada e cronista de sociedades marginalizadas.

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Divorce Iranian Style (1998)

Fortalecido com o triunfo e aclamação da obra iraniana A Separation (Jodaeiye Nader az Simin) de Asghar Farhadi, na edição de 2012 dos Óscares, onde foi distinguido com a estatueta de Melhor Filme de Lingua Estrangeira, Divorce Iranian Style é uma entrada directa aos bastidores dos estabelecimentos judiciais do Teerão. Kim Longinotto, em cooperação com Ziba Mir-Hosseini, acompanha o drama de seis mulheres com o desejo de divorciar. Todas elas apresentam argumentos válidos para tal, porém, as leis iranianas são rígidas e de favorecimento masculino tornam um simples consenso numa tarefa árdua, em que a burocracia é o maior dos obstáculos.

Iranian Divorce Style é abordado por uma câmara intimista, participativa e directa, mas incapaz de contornar o choque cultural, tornando esse factor a sua maior arma mediática. São histórias de mulheres desesperadas, marginalizadas e condenadas numa sociedade governada por homens. Um dos melhores trabalhos de Longinotto, vencedor do Grande Prémio de Documentário no Festival de Cinema de São Francisco.

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Hold Me Tight, Let Me Go (2007)

O único trabalho da documentarista presente na mostra que não aborda questões de opressão, discriminação e outros, relacionados com a posição feminina na sociedade. Hold me Tight, Let me Go leva-nos a uma instituição especializada para crianças com "graves" problemas de inserção social, incontrolavelmente violentas e emocionalmente traumatizadas - a Mulberry Bush School, Oxfordshire, Inglaterra.

A câmara de Longinotto documenta o dia-a-dia dos envolvidos no “tratamento” e cuidados destas mesmas crianças, e com isso, as complicações das suas reacções e interacções. Mesmo sendo um documentário algo impressionante na forma como regista as atitudes violentamente impulsivas destes pequenos "marginais" (as “birras” tenebrosas que integram os pesadelos de qualquer progenitor,) sente-se nestas bandas uma certa encenação por parte dos educadores. Narrativamente e estruturalmente é dos filmes menos entusiasmantes de Kim Longinotto e dos menos objectivos também. Hold me Tight, Let me Go vale pela sua temática e demonstração do lado negro que muitas crianças ocultam, mas carece de arrojamento e de um ponto de vista mais abrangente.