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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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"Hurra" ao Mefistóteles da beleza!

Hugo Gomes, 16.08.16

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Promovido como um herdeiro do cinema provocatório de Lars Von Trier, o também dinamarquês Nicolas Winding Refn aposta num prolongado concurso de beleza, um universo enxugado de luzes e sons psicadélicos, porém, anorético em tudo o resto.

É o seu conceito de filme de terror, segundo a ambição do realizador que confronta o espectador com mais outro retrato fascinado pela violência gráfica, visto que a psicologia é somente uma atmosfera dissipante e frágil nestas “ruelas”. Em certos aspetos, “The Neon Demon” resulta na extensão do moralismo fabulista. Neste caso o já rudimentar debate da beleza (a estética contra tudo o resto), apoiada na visão incandescente e por vezes alucinogénico que Refn alastra neste enésimo “conto” de procura e concretização de sonhos em terras dos “Anjos”.

Neste episódio, seguimos Jesse (uma hipnotizante Elle Fanning), uma adolescente determinada a tornar-se numa modelo, nem que para isso tenha que vender a sua alma a uma entidade faustiana. Até porque no preciso momento em que assina o tão precioso contrato das mãos de Christina Hendrick algo de sobrenatural acontece, um íman inquebrável rodeia a nossa protagonista, um magnetismo que capta novas oportunidades como também novos e mortais inimigos.

Uma bênção, um dom, ou uma inerente maldição? O destino de Jesse converte-se numa luxuosa descida aos infernos, com Nicolas Winding Refn a providenciar ferramentas visuais e sonoras ao serviço de tal tarefa danteana. Cada flash de fotografia ocorrida em “Neon Demon” é como a palpitação de uma monstruosa criatura se tratasse, uma anormalidade que se revela pouco a pouco mas nunca se desvenda na sua totalidade, como tal o filme parece não cumprir a sua simples premissa. O que soava como um estilizado produto de terror urbano, colorido sob um holofote néon, cede-se infelizmente à mera masturbação. Uma direção em redor do seu umbigo, um punhado aleatório de referências que vão desde a História Antiga (alusão à trágica condessa Báthory), o cinema tingido de um Mario Bava ou do sucessor, Dario Argento, e até o neo-noir voyeurista de Brian DePalma.

Contudo, é no interior deste festim de espontânea coloração que se esconde a verdadeira “espinha dorsal” deste projeto – o expressionismo alemão. “The Neon Demon” é um filme absolutamente influenciado por esse movimento; pelos enredos de pactos infernais, pela figura da femme fatal (que floresceu durante o expressionismo, ao contrário do senso comum da expansão do film noir norte-americano) e dos constantes jogos de sombras, aqui cambiados pelos berrantes néones que deixam transparecer as emoções das suas respetivas personagens.

Uma euforia que resultaria num bem costurado tecido, mas como havia referido, Nicolas Winding Refn cede ao seu pesado ego e deixa cair por terra qualquer indício de análise estética e psicológica. Provas disso, temos um final à deriva de um grotesco desnecessário, um evidente toque masculino em temática tão feminina e sob o cinismo de uma “improvável” homenagem à mulher do realizador e por fim, uma barafunda de elementos que nos leva aos mais desconcertantes “becos sem saída” narrativos. Depois do subvalorizado “Only God Forgives”, eis a obra mais desastrosa da sua carreira, um pretensioso exercício a ser distinguido com o título “mas que raio” (!?) do ano.