Holocausto Festivaleiro
A nossa contemporaneidade pede uma nova vaga no género de terror dentro do panorama norte-americano. Após as despedidas de Wes Craven, George A. Romero e um John Carpenter ausente, os aficionados viram-se para uma nova geração de assumidas responsabilidades de carregar o legado e através disso redefini-los para os nossos tempos. São eles Robert Eggers, Jordan Peele e por último Ari Aster, o trio que a imprensa apelidou de “elevate horror”, sangue fresco para as veias decadentes do Grande Cinema de Terror Norte-Americano. O primeiro afirmou-se com um slow-horror atmosférico (“The Witch”), o segundo com o díptico da ebulição social e racial que experienciamos (“Get Out”, “Us”) e o terceiro e possivelmente o mais interessante do grupo, distorce as estruturas familiares e descompõe a vitimização e o luto em prol da velha tradição do terror.
Não há muito tempo assistíamos à proeza de “Hereditary”, obra de assombrações espíritas que remetia ao “nojo” como um elo de ligação afetiva ou até o oposto, tendo a sua mercê uma explosiva Toni Collette (criminosamente ignorada nos Óscares) e um olhar atento pelo estético plano fixo. Atmosfera era com ele, Aster culminou o conservadorismo do terror centenário num eterno jogo de sugestão, sombras e de apuradas referências.
Um ano separa o seu primeiro êxito com um este retornar às suas assinaladas temáticas embrulhadas. Garantem os espectadores mais obsessivos, que “Midsommar” decorre na mesma realidade de “Hereditary”, mas não é preciso recorrer a teorias de fãs, porque cinematograficamente ambos são o mesmo filme, só que em divergentes perspectivas. Desta maneira, recorrendo aos lugares familiarizados do “folk horror”, “Midsommar” é novamente um conto sobre o luto e as diferentes estratégias de superação, iludindo um efeito de estranheza, um show de horrores invisíveis e enraizados que desvia-nos do principal propósito desta segunda longa-metragem, a de um realizador que supera um luto emocional.
Ari Aster revelou que “Midsommar” nasceu de um fim de relação, uma tentativa de superação estampada neste quotidiano fabricado, um folclore pagão que reúne a nossa já estabelecida imaginação (nunca saímos do campo proclamado por “Wicker Man” ou do mais recente “Kill List”) e o qual encara-se com uma repudia física ou sentimental. É um filme impressionista na sua sensibilidade, um intimismo que recolhe em prol de uma negação, essa, a do realizador em compor uma obra maior que a sua ambição. E talvez seja a sua falha que encontramos a sua “contraditória” virtude: “Midsommar” é pretensioso, unificando os seus maneirismos kubrickianos ou do cinema new-age e xamanismo de Jodorowsky, nunca trabalhando um plano da mesma maneira que o fizera em "Hereditary". Joga-se por travellings e mais travellings como um turista num mundo adverso.
Uma espécie de “Cannibal Holocaust”, onde o “civilizado” entra em território “selvagem” nunca escondendo a sua “superioridade” cultural e ao mesmo tempo revelando a sua primitividade. Em “Midsommar”, os civilizados não são as vítimas, são as cobaias de uma experiência coletiva, o qual se denomina desconforto. Ari Aster incomoda muita gente na sua segunda longa-metragem e isso não é propriamente um mau sinal.