Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Holocausto Festivaleiro

Hugo Gomes, 14.09.19

image-w1280.jpg

A nossa contemporaneidade pede uma nova vaga no género de terror dentro do panorama norte-americano. Após as despedidas de Wes Craven, George A. Romero e um John Carpenter ausente, os aficionados viram-se para uma nova geração de assumidas responsabilidades de carregar o legado e através disso redefini-los para os nossos tempos. São eles Robert Eggers, Jordan Peele e por último Ari Aster, o trio que a imprensa apelidou de “elevate horror”, sangue fresco para as veias decadentes do Grande Cinema de Terror Norte-Americano. O primeiro afirmou-se com um slow-horror atmosférico (“The Witch”), o segundo com o díptico da ebulição social e racial que experienciamos (“Get Out”, “Us”) e o terceiro e possivelmente o mais interessante do grupo, distorce as estruturas familiares e descompõe a vitimização e o luto em prol da velha tradição do terror.

Não há muito tempo assistíamos à proeza de “Hereditary”, obra de assombrações espíritas que remetia ao “nojo” como um elo de ligação afetiva ou até o oposto, tendo a sua mercê uma explosiva Toni Collette (criminosamente ignorada nos Óscares) e um olhar atento pelo estético plano fixo. Atmosfera era com ele, Aster culminou o conservadorismo do terror centenário num eterno jogo de sugestão, sombras e de apuradas referências. 

Um ano separa o seu primeiro êxito com um este retornar às suas assinaladas temáticas embrulhadas. Garantem os espectadores mais obsessivos, que “Midsommar” decorre na mesma realidade de “Hereditary”, mas não é preciso recorrer a teorias de fãs, porque cinematograficamente ambos são o mesmo filme, só que em divergentes perspectivas. Desta maneira, recorrendo aos lugares familiarizados do “folk horror”, “Midsommar” é novamente um conto sobre o luto e as diferentes estratégias de superação, iludindo um efeito de estranheza, um show de horrores invisíveis e enraizados que desvia-nos do principal propósito desta segunda longa-metragem, a de um realizador que supera um luto emocional. 

Ari Aster revelou que “Midsommar” nasceu de um fim de relação, uma tentativa de superação estampada neste quotidiano fabricado, um folclore pagão que reúne a nossa já estabelecida imaginação (nunca saímos do campo proclamado por “Wicker Man” ou do mais recente “Kill List”) e o qual encara-se com uma repudia física ou sentimental. É um filme impressionista na sua sensibilidade, um intimismo que recolhe em prol de uma negação, essa, a do realizador em compor uma obra maior que a sua ambição. E talvez seja a sua falha que encontramos a sua “contraditória” virtude: “Midsommar” é pretensioso, unificando os seus maneirismos kubrickianos ou do cinema new-age e xamanismo de Jodorowsky, nunca trabalhando um plano da mesma maneira que o fizera em "Hereditary". Joga-se por travellings e mais travellings como um turista num mundo adverso. 

Uma espécie de “Cannibal Holocaust”, onde o “civilizado” entra em território “selvagem” nunca escondendo a sua “superioridade” cultural e ao mesmo tempo revelando a sua primitividade. Em “Midsommar”, os civilizados não são as vítimas, são as cobaias de uma experiência coletiva, o qual se denomina desconforto. Ari Aster incomoda muita gente na sua segunda longa-metragem e isso não é propriamente um mau sinal.