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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Fala para a mão

Hugo Gomes, 29.08.23

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As qualidades enquanto produto são várias e (até) discutíveis em eventuais tertúlias, porém, em “Talk to Me”, esta produção australiana que cunhada pela A24 tem vindo a tornar-se num dos grandes êxitos do género em 2023, é destacada pela sua relação (seja filme, seja as personagens) para com o sobrenatural. 

O enredo que “abocanha” luto, solipsismos e euforias com jogos espirituais, sempre testemunhados por câmaras de smartphone a fim de captar, registar e partilhar qualquer momento de invocação e possessão, dialoga com a nossa contemporaneidade e muito mais com a geração em voga [correspondendo aos denominados Z & Alfa], cuja intimidade aufere novas fronteiras e consequentemente novos critérios. Portanto, esta aventura ora tecnológica, ora paranormal, vem ao encontro de uma extraposição que estes jovens sobrelotados de redes sociais normalizaram e com isso a fantasmagórica presença de um outro mundo, encarado como uma droga, não no sentido estupefaciente, e sim, virtual. Basta entender os algoritmos e cair em vórtice nos enésimos reels ou tik-toks que emanam aparições ou eventos inexplicáveis, muitos deles (grande parte, sublinha-se) fabricados pelos seus usuários, outros expondo a urgência dessa cadeia de filmar e difundir. 

A exploração do fantástico é também a sua base de mistério, contraditório que “Talk to Me” parece delinear nestes “ouijas” de nova geração, onde o voluntariado jovem, apertando um artefato místico (uma mão embalsamada) invocam os “mortos”, oferecendo a respetiva carne para uma breve possessão, a adrenalina trazida por este comportamento visa na diversão dos joviais espectadores em reuniões casuais, cada um na sua, ou diria antes, na sua solitária e assexuada vivência. Não nos estranha o facto da obra ser realizada por dois youtubers [a dupla Philippou], detentores não da linguagem, mas da compreensão desses códigos de partilha, onde o nosso torna-se deles e os fantasmas convertem-se em passageiros avatares, nada é propriedade exclusivamente terrena ou sobrenatural, a fronteira é diluída em prol de um outro “mundo”, o virtual. Enquanto isso, “Talk to Me” reserva-nos algumas fintas às habituais e cadavéricas tendências do seu género, uma delas a cedência do facilitismo dos “jumpscares” pela atmosfera em construção, e a troca do nefasto CGI pelo simplesmente prático. 

Mas como a geração que retrata, viciado nos seus bovarismos e depressões vendidas (e mercantilizadas, basta entender a “cultura do depressivo” que abunda pelas redes sociais em modo irónico), esta é uma obra que valoriza o seu pessimismo ao invés de pontuar no seu assombro. Para a convencionalidade do seu género pode desiludir, contudo, é apenas um filho desta nossa modernidade, e quem sabe, o ventre-gerador de uma nova manifestação do terror. Pelo menos “franchisado” já está!