Exterminadora Implacável
A título pessoal: Em teoria, “M3gan” é uma salada de frutas dos meus medos, a começar pela pedofobia (não assustem com a designação, trata-se apenas de fobia a bonecas), passando pelo complexo de “uncanny valley” (a repugna ao que aparenta ser humano mas que não o é) e terminando na desconfiança tecnológica (principalmente no conceito ainda prototípica do A.I [inteligência artificial]). Ou seja, temos “caldo entornado” para uma experiência de fazer eriçar a pilosidade dos braços.
A título formal: Trata-se de uma histórias de “bonecas de última gama”, cada vez mais realistas e alicerçadas ao que indica ser inteligência por por conta própria (há indícios de consciência dickiana, principalmente quando a sintética antagonista esmiúça sobre a Morte), que se resume à homónima criação. Um experimento, e por sua vez, apropriado por uma grande corporação para o viabilizar como o “next big thing” do mercado - ou “a maior invenção do Homem desde o automóvel”, tal e qual é citado a meio da sua narrativa. Obviamente, que tudo é receita para uma pequena catástrofe.
“M3gan”, apesar das suas hipóteses de terror moderno e consciente, verga-se pela tradição de muito do que é hoje produzido no género em terras yankees, o conceito acima da prática. Esta nova prole de Jason Blum [produtor que assume autoralmente os seus “rebentos”], “bombeado” por um guião assinado por James Wan (não esquecer a direção de Gerard Johnstone, de “Housebound”) - uma versão “Child’s Play” [mais como extensão do remake de 2019 do que o original fomentador da duradoura saga] para novas gerações - apresenta-se como um recital de apontamentos e reaproveitamentos de medos comuns.
Digamos que dentro desse esquema de produto pré-fabricado, o filme espelha uma ideia há muito cobiçada por Hollywood, envergando e sumarizando os conceitos robóticos incentivados por Phillip K. Dick e toda a nossa relação com “vida artificial”, só que nesta variação, mesmo sendo narrativamente previsível até à medula, a idealização nunca trespassa o papel, preferindo-se mapear do que aprofundar as suas devidas preocupações teóricas e com isso falsear em momentos puramente “camp” ou de júbilo de cariz macabro.
A Blumhouse em parceria com o Atomic Monster [equação vencedora Blum + Wan] poderão ter encontrado a sua “galinha dos ovos de ouro” no que refere a matéria de franchises, até porque a “criatura” frankensteiniana obsessiva (um sinistro "avatar" de Amie Donald) preserva características frutíferas aos mais diferentes ícones do slasher (nomeadamente ao Chucky de Child’s Play, de Don Mancini [pelo menos fica tudo em “família”]), entre as quais a força de centralizar a trama ao redor da sua figura (enquanto que as personagens humanas são tudo menos interessantes e empáticas).
Um modelo formalizado que garante sucesso com poucos milhões investidos. Low cost ou não, a verdade é que “M3gan” funciona graças à sua modéstia e de ocasional foco às questões fora da sua natureza. Por outras palavras, poderia ser mais cerebral e complexo, mas ficamos com o protótipo oleado.
A título pessoal: Poderia ser a autêntica materialização dos meus pesadelo ... Poderia, se não fosse a sua leveza e seu jeito “brincalhão” como manda a indústria do qual está inserida. Talvez numa próxima!