Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Exterminadora Implacável

Hugo Gomes, 17.01.23

megan-m3gan (1).jpg

A título pessoal: Em teoria, “M3gan” é uma salada de frutas dos meus medos, a começar pela pedofobia (não assustem com a designação, trata-se apenas de fobia a bonecas), passando pelo complexo de “uncanny valley” (a repugna ao que aparenta ser humano mas que não o é) e terminando na desconfiança tecnológica (principalmente no conceito ainda prototípica do A.I [inteligência artificial]). Ou seja, temos “caldo entornado” para uma experiência de fazer eriçar a pilosidade dos braços.

A título formal: Trata-se de uma histórias de “bonecas de última gama”, cada vez mais realistas e alicerçadas ao que indica ser inteligência por por conta própria (há indícios de consciência dickiana, principalmente quando a sintética antagonista esmiúça sobre a Morte), que se resume à homónima criação. Um experimento, e por sua vez, apropriado por uma grande corporação para o viabilizar como o “next big thing” do mercado - ou “a maior invenção do Homem desde o automóvel”, tal e qual é citado a meio da sua narrativa. Obviamente, que tudo é receita para uma pequena catástrofe.  

M3gan”, apesar das suas hipóteses de terror moderno e consciente, verga-se pela tradição de muito do que é hoje produzido no género em terras yankees, o conceito acima da prática. Esta nova prole de Jason Blum [produtor que assume autoralmente os seus “rebentos”], “bombeado” por um guião assinado por James Wan (não esquecer a direção de Gerard Johnstone, de “Housebound”) - uma versão “Child’s Play” [mais como extensão do remake de 2019 do que o original fomentador da duradoura saga] para novas gerações - apresenta-se como um recital de apontamentos e reaproveitamentos de medos comuns. 

Digamos que dentro desse esquema de produto pré-fabricado, o filme espelha uma ideia há muito cobiçada por Hollywood, envergando e sumarizando os conceitos robóticos incentivados por Phillip K. Dick e toda a nossa relação com “vida artificial”, só que nesta variação, mesmo sendo narrativamente previsível até à medula, a idealização nunca trespassa o papel, preferindo-se mapear do que aprofundar as suas devidas preocupações teóricas e com isso falsear em momentos puramente “camp” ou de júbilo de cariz macabro.

A Blumhouse em parceria com o Atomic Monster [equação vencedora Blum + Wan] poderão ter encontrado a sua “galinha dos ovos de ouro” no que refere a matéria de franchises, até porque a “criatura” frankensteiniana obsessiva (um sinistro "avatar" de Amie Donald) preserva características frutíferas aos mais diferentes ícones do slasher (nomeadamente ao Chucky de Child’s Play, de Don Mancini [pelo menos fica tudo em “família”]), entre as quais a força de centralizar a trama ao redor da sua figura (enquanto que as personagens humanas são tudo menos interessantes e empáticas). 

Um modelo formalizado que garante sucesso com poucos milhões investidos. Low cost ou não, a verdade é que “M3gan” funciona graças à sua modéstia e de ocasional foco às questões fora da sua natureza. Por outras palavras, poderia ser mais cerebral e complexo, mas ficamos com o protótipo oleado.  

A título pessoal: Poderia ser a autêntica materialização dos meus pesadelo ... Poderia, se não fosse a sua leveza e seu jeito “brincalhão” como manda a indústria do qual está inserida. Talvez numa próxima!