Espírito animal
O charme de "Tótem", a segunda obra de Lila Avilés ("La Camarista"), provém da sua (aparente) inércia - os preparativos para uma festa aniversário com a mesma energia de um ritual fúnebre - e no centro desse turbilhão humano, onde os estresses relacionados aos avanços dessa cerimónia se fundem com as emoções contidas (voluntariamente ocultas para não ferir susceptibilidades), reside Sol (Naíma Sentíes), uma menina de sete anos cujo pai (o motivo deste frenesim), encontra-se debilitado por uma doença cancerígena.
Desde o início do filme, deparamo-nos com a pequena protagonista em convívio com a sua progenitora (Iazua Larios), uma mulher de contagiante vitalidade (contrastando com o outro progenitor, de abraços com a morte), pressentimos um certo encobrimento, sorrisos amarelos, forçados como máscaras sociais. A celebração que parece nunca "descolar" do seu planeamento resume-se a uma interminável tortura (pessoalmente) dirigida a esta criança, mantida na ignorância do seu redor, suspeitando das suas adversas características.
Avilés cria um filme de ambientes, de conflitos aligeirados para serem sentidos por "enfants", aliás, é nesse olhar, algo infantil e confuso, que "Tótem" presta serviço quanto à sua formalidade. Sol, "ilumina-nos", entre esconderijos (refúgios improvisados) e a vontade de ver o seu pai, erudito no seu quarto, no seu túmulo guardado pelos totens animalescos. Essas forças místicas (e bem vivas) não deixam o filme em aconchegos. O corvo marca a morte predatória, os anciãos pressentem com clareza os sinais da sua vinda, tentando contrariar o fim abrupto e previamente anunciado com a manutenção (humanamente) possível da vida - o "bonsai" - esse símbolo de prosperidade (com paciência à mistura), é ali mesmo, o combate contra esses alados antagónicos de mau agoiro.
Na sequência final, de rosto iluminado pelas velas do enfim bolo de aniversário, Sol transmite algo mais do que mera inocência infantil, o seu olhar trespassa a quarta parede, por minutos foca-nos [a audiência]. O mistério ali orquestrado foi em vão, Sol sabe e muito bem do “crime” ali ocorrido. Inocência termina, o conflito já se encontrava persuadido na sua mente, como uma Virginia Woolf que em espaços pequenos deambula pelos seus íntimos e perigosos pensamentos.