Entre família e carros não se mete a "colher" ... nem argumentista
A greve dos argumentistas que recentemente “abalou” Hollywood reivindicava melhores condições de trabalho, estabilidade e segurança no ofício, acusando o streaming de ter alterado a estrutura produtiva da indústria e possivelmente as preocupações em relação aos avanços da IA. Nesse aspecto, solidarizo-me com as suas lutas, pois deixar o ChatGPT escrever guiões resulta nisto... não é verdade? Existe mão humana por detrás disto? Neste caso, realmente é necessário melhores condições de trabalho, sem dúvida.
"Fast X", desta vez com Louis Leterrier (um dos antigos "pupilos" de Luc Besson), é uma ambiciosa aberração frankensteiniana que tenta resumir toda uma saga que nos acompanha há mais de 20 anos. O que começou como um remake de "Point Break" (Kathryn Bigelow, 1991), substituindo surfistas por “street racers”, acabou por se tornar numa trama global embrionária digna dos enésimos filmes de James Bond ou "Missões Impossíveis", com carros executando o impossível enquanto Vin Diesel assume o papel de padroeiro da família, da forma mais tradicional e devota possível. Justin Lin, que entrou nessa jornada com o terceiro e depreciado filme ["Tokyo Drift", que saudades dessa simplicidade e exotismo], trouxe um certo absurdismo, fisicalidade e espetacularidade que culminaram em um “epopeico” quinto episódio no Rio de Janeiro, e é a partir desse ponto que começamos esse "X".
Aqui, a palavra de ordem é "família", soando como um clipe para os argumentistas trabalharem numa novela mexicana disfarçada, onde todos são parentes de alguém, não importa quem, e Jason Momoa, o vilão (cheesy até a quinta casa, mas não importa, fica claro que ele se diverte com tudo isso, e acaba se revelando o melhor em mais de 2 horas e meia de filme), é o "terrorista" cético em relação aos princípios de Vin Diesel e a sua pregação aos peixes. Milhões gastos no circo mais básico, onde Lin, o anterior salvador da saga, é colocado em segundo plano (como produtor e suposto roteirista), testemunhando a franquia de se tornar refém dos drones e da planificação extremamente decoupada, uma criatura carpinteira criada em nome da vibração, essa falsa-sensação que cativa espectadores com mentes irrequietas. Fica a pergunta: se o público está acostumado com temas adultos nas suas plataformas de streaming, por que alimentá-los com infantilidades na grande tela? "Desligar o cérebro" não pode ser mais uma desculpa, se as expectativas são tão baixas assim. "Fast X" resume uma saga em círculos, onde ninguém "morre", exceto Paul Walker, que por motivos trágicos (obviamente) e pela incapacidade dos argumentistas, se revela num estorvo nesta trama “salta-pocinhas”.
PS: Mas para muitos a questão das questões é se Portugal está representado aqui. Quase meia-hora de ação na A24 com direito a legendas gordas para localizar-nos e Daniela Melchior em destaque (mas sinceramente, esperemos que a atriz lusa receba ou procure papéis mais desafiantes nesses cantos hollywoodescos). Respondido?