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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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"Empty Nets": à caça da enguia

Hugo Gomes, 27.07.23

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Não são apenas jovens inconscientes, mas jovens precários, deambulando pelo mal-amparo social, resultado de políticas, muitas delas conservadoras, que nada acrescentam ou acompanham na vida das gerações futuras, com ambições de emancipação. Poderia ser a história do dia-a-dia em qualquer região do mundo ocidental e industrializado; basta ligar o noticiário ou abrir o jornal do quiosque para nos depararmos com a enchente de notícias e relatos de jovens sem a capacidade de auto-sustentabilidade, sem um emprego que corresponda às suas habilitações ou a uma crise habitacional que agrava essa tão esperada 'saída da casa dos pais'.

Neste caso, vamos ao Irão; por momentos, fazemos "festinhas" ao fervor social que lá habita, renegando o cinema-denúncia feroz que nos é encaminhado - Panahi, Rasoulof - nada disso, a "politiquice" está enraizada, ou quem sabe, mais universalizada. Aqui, a questão é de foro moral, de integridade perante as adversidades do seu meio. Nesse território, tem sido Asghar Farhadi a dançar por entre os holofotes da ribalta; por sua vez, o estreante Behrooz Karamizade vagueia pelos dilemas de um jovem forçado a seguir vias ilícitas para conquistar o seu horizonte (e casar com a sua ‘rapariga dos sonhos’), antes disso, sendo enganado pelos seus próprios ideais, convicções que o trapaceiam ao invés de o beneficiar à luz do seu meio social.

Portanto, o também estreante Hamid Reza Abbasi, o lesado Amir - um talentoso nadador que faz uso da sua arte ao participar num comércio negro de caviar (iguaria para ocidentais, sempre a ocidentalidade como a erva-rato dos nossos dias) - encontra-se em tal situação como uma restrição de um avariado "elevador social" e de doutrinas religiosas diluídas nesta sua comunidade. Subsistindo nestas tarefas à margem da dignidade ou da lúdica caça de enguias como um escapismo pecaminoso para pescadores presos no seu status social (o ópio dos miseráveis). Enquanto linguagem, é a universalidade que muitos poderão identificar-se com a jornada descendente do jovem com integridade sem partilhar tais características culturais; fora isso, resume-se a um filme de pretensões mal resolvidas para com os seus induzidos traumas, cuja miopia do protagonista nos leva a uma trama ego-central, onde o restante biótopo povoa em jeito de "por favor”.

Ou seja, “Empty Nets” faz uso das suas próprias redes em busca de peixe graúdo, mas apenas consegue “pescar” miúdo devido à sua inexperiência, seja formal, temática ou sintática. O percurso talvez seja longo, e nada disso impedirá Karamizade de crescer, amadurecer num futuro próximo; porém, no momento, pode-se supor que é grande num registo que o leva ao rascunho e não mais do que isso. Como também é o seu território, o Irão como laboratório do cinema-denúncia mordaz que o jovem realizador não parece fazer jus aos requisitos.