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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Em casa de padre, reza-se o terço ...

Hugo Gomes, 07.02.20

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“Corpus Christi - A Redenção” leva-nos ao encontro de um assombroso, mas ainda esquecido, filme produzido em 2017, “The Captain” (“Der Hauptmann”), que debatia a questão do “mal” e da nossa própria natureza, intrinsecamente relacionada com a imagem que deixamos ou fazemos transparecer. Naquele regresso do realizador Robert Schwentke à Alemanha (mal-afortunado em terras norte-americanas com “R.I.P.D.” e “Insurgente”) , testemunhamos uma diluição de mal e poder na inicialmente caricata intriga de um soldado nazi que encontra, de forma miraculosa, uma farda de oficial durante a sua deserção. Após vesti-la, assume automaticamente uma nova identidade e um estatuto social.

Neste filme de Jan Komasa, a “farda” volta a assumir o pathos identitário, mas nunca encaixando na catalogação binária, quando um jovem recém-saído do centro de detenção assume o papel de padre numa vila que se recusa a reconciliar com os seus demónios. A batina torna-se numa nova pele para este “delinquente”, da mesma forma que a sua inexperiência quanto a esta identidade o guia para não-ortodoxos caminhos de comunhão religiosa e, paradoxalmente, um processo de cura espiritual.

Corpus Christi” revela-se encantado com esses métodos de redenção, na farsa que impõe e prolonga, com frieza técnica e o desempenho visceral do seu protagonista, Bartosz Bielenia, o qual, como Cristo, “abraça” o seu estatuto de mártir em cada missa. Com um olhar atento à imagem do seu Salvador, segundos antes de dar início à sua leitura religiosa para com os demais, “Corpus Christi” poderia ser um "running gag", mas é uma reflexão da nossa capacidade de superar adversidades, cinicamente ligada ao estatuto que ansiamos ter neste mundo.

Apesar de se contorcer constantemente perante o mundo de violência, o final é a catarse literal dessa mesma essência, ao mesmo tempo que Jan Komasa manobra para o extremo oposto do efeito martirológico para que o filme se encaminha. Contornando e deixando em nós uma fantasmagórica presença de ira e inabalável emoção vivida. Porque no fim de contas, “Corpus Christi” é isso, pura emoção.