E a tua Zendaya também ...
Talvez estejamos a caminhar numa tendenciosa vontade por interpretações sem apego, presos a uma certa indiferença para com as suas emoções, reveladas ou ocultadas para bom intérprete entender. Nesse aspecto, Zendaya lidera uma multidão esfomeada pela sua presença, essa que basta, manifestada como a eterna adolescente em plena repulsa para com o seu meio (será uma resposta atual aos anos e anos de desempenhos rompantes e eruptivos por parte de Hollywood?).
A atriz entra assim, na igual classe de Timothée Chalamet - o qual contracenam na sequela do épico interespacial “Dune 2” - concorrendo com a sua respectiva legião de fãs e num mediatismo insuflado pelas novas plataformas de criação estrelares, interagindo nos resquícios de um moribundo “star system” americano. Por um lado, Zendaya, crescida e aparecida das séries da Disney Channel, reavaliada no seriado “Euphoria” à boleia de Sam Levinson, e novamente projetada às massas pelas aventuras do aranhiço modo disnesco [“Spider-Man”], é agora produtora e protagonista do novo filme do realizador habituadíssimo (e algo vampiresco) a jovialidades e como abordá-las em modo efervescente na espuma dos nossos dias, o, nada mais, nada menos que Luca Guadagnino.
Trata-se de “Challengers”, ensaio sentimentaloide que contempla um campo de ténis como alegoria vivente: a história de outrora amigos (Josh O’Connor e Mike Faist) agora rivais de raquete, e de pénis, que lutam pelo interesse da sua “miúda de sonho”, se não fosse essa projeção Zendaya e o seu inquebrável ar descomprometido. O nosso Luca, “padrinho” de Chalamet na obra literária de André Aciman virada à tela - “Call Me By Your Name” (2017) - do qual extraiu do solarengo norte italiano em pleno verão, um esboço, não só romances estivais longe de olhares atentos, como também de exercícios de naturalismo, e aí, nesse campo, julgamos ter encontrado um realizador chamativo, mas o fruto proibido deu-nos um darling, um querido da indústria yankee impregnante do cinema com sangue negativo oriundo do universo videoclippeiro (a banda-sonora assinada por Trent Reznor & Atticus Ross nunca desmancha a sensação).
Neste caso “Challengers”, o uso e abuso da sua estética revela-nos um filme mais preocupado em ser visualmente dinâmico e “cool” do que inteirar-se numa narrativa coerentemente liberal. Pois é, falando na imposição de storytelling, é por essa via que o filme de Luca Guadagnino (com guião de Justin Kuritzkes) falha, e falha pela reutilização de universos que o cinema já tem como “lugar-comum”. O ménage-a-trois, seja pelo sexo sem orientação e de descobertas calorosas [“Y tu mamá también”, de Alfonso Cuaron], seja pelo simbolico número 3, relações do arcabouço da Nouvelle Vague [“Jules & Jim”, “Bando à Parte”, “La maman et la putain”] ou o passivismo politico e burguês estampado por Bertolucci [“Dreamers”]. É nesse “Trio de Odemira” e as promessas de sensualidade que o filme adquiriu, desde o seu cancelamento no Festival de Veneza do ano passado [forçado pela greve de argumentistas e atores], um mediatismo próprio e orbital na sua estrela.
É óbvio, que quem “nasceu ontem” ou pouco dado a cinema fora das margens hollywoodescas encarar-o como a quintessência da ousadia em espaços imaturos, nada contra à reutilização, mas chegamos a um ponto em que necessitamos o reaproveitado pela transgressão e em “Challengers” tal factor é zero, para além de impor uma amnésia dos signos que o cinema albergou desde tempos e tempos. Tal como aconteceu no seu “Suspiria”, há uma atitude de Luca Guadagnino em refazer a História do Cinema a seu favor, ora refilmar clássicos (e o caminho aponta para essa continuação) ou pegar em velhos símbolos do cinema e banhá-los numa contemporaneidade inconsequente, retirando o naturalismo e avançando na estética barulhenta, nos slow motions como alternância ao close-up, nas salta-pocinhas narrativas (quebras e baralhos que Nolan enfatizou como moda da complicação / falsa-complexidade), disfarça-se uma mediocridade reluzente, e Zendaya é esse brilho para atrair audiências domesticadas. O ténis, que tão bem cinematográfico lugar havia tomado, desde o fascínio expressado pelo crítico Serge Daney e as suas trabalhadas teses (e tecidos) temporais (biblioteca alexandrina essa que gerou um dos melhores filmes sobre o desporto e cinema igualmente - “L'empire de la perfection” de Julien Faraut), é aqui poesia macaqueada para servir de tensão sexual, ideia curiosa, execução, como havia referenciado desde então, refém a um excessivo e desnecessário pleonasmo visual.
“Challengers” poderá encontrar razão e expressividade nos últimos minutos de filme, uma ênfase dramática e interrompida pela imperatividade dos atos, mas o seu trajeto, num constante serviço de raquetadas, é objeto glamouroso e de dramaturgias de zinco. Uma prodigalidade.