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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Do teu nascimento vês o teu Futuro. Lumière, os bruxos-inventores!

Hugo Gomes, 04.10.25

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Se Thierry Frémaux, já havia penetrado no espólio dos Lumière no seu anterior documentário [“Lumière ! L'aventure commence”, 2016], de que serve uma outra aventura nos primórdios do cinema? 

Memória! A resposta automática saída da Fábrica de Lyon. O pensamento que me entra pelas ventas acima quando termino de assistir o seu “Lumière, l’aventure continue”. A memória de algo tão querido para nós, para a nossa modernidade que é o Cinema, a sua relação em tempos de pós-verdade, ou como alguém havia declarado (perdoem-me a minha fraca fixação por citações, nomes e devidas apropriações), no pós-História, onde tudo é alvo de revisionismos consoante a vontade do freguês, do vento político corrente, a História sem impunidade, enfraquecida, questionada, e por outras, violentada. Por outro, partilhamos espaço com cineastas do alcatrão, daqueles que alcatroam a estrada cinematográfica, “resgatam” o passado, as invenções e inovações, maquiam, fazem-se suas por direito ou por pilhagem. 

Thierry Frémaux (director do Institut Lumière e director artístico do Festival de Cannes) invoca Lumière (Auguste & Louis) para demonstrar o simples que é, no seu começo, no cinema idealizado ou nas experiências de uma “invenção fracassada”, a possibilidade de termos toda uma história cinematográfica em ebulição … e o restante, décadas e décadas de metragens são a confirmação e o empregar dessas descobertas. Ver os Lumière hoje é verificar a sua trajectória. É, discretamente, observar as sementes da sua germinação. Sabe-se que havia três versões da Saída dos Operários da Fábrica de Lyon, o pontuado primeiro ponto do Cinema enquanto tal. Sim! Três! O ícone não foi uma tentativa única, mas sim três, e quem relata, uma carroça algures entre o plano fixo, constata as particularidades de cada um delas, e, num sentido arqueológico, aquele que fora mostrado na tão badalada “primeira exibição pública”. Por isso, como podem resgatar deste facto, os remakes existiam antes do remake ser consolidado e encaixado na sua gíria cinéfila, de igual modo, o gag, aquele jardineiro apanhado de desprevenido, igualmente repetido até à exaustão, evidenciando a comédia como elemento da sua génese

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E o terror? Sim, como é óbvio, já se construía naturalmente. E sim, daqueles que hoje suscitam mitos, lendas, folclores e ‘creepypasta’, mais concretamente a Chegada do Comboio à Gare e a debandada apanicada dos espectadores, atualmente partilhado como mero facto sem ‘fact checking’, a memória colectiva de um não-acontecimento, segundo os poucos, mas valentes e legítimos, os questionadores da sua veracidade sem nunca descurar o efeito espanto de tais imagens. Frémaux não o aborda, portanto, acreditando na sua palavra como salteador do arquivo ‘lumieriano’, simplesmente não aconteceu. 

Enquanto espelho do Mundo, uma viagem, um cartão-postal de portos e cidades de outras margens, e até a travessia visual ao Novo Mundo, em pleno século XXI são documentários na sua mais genuína forma; documentam, registam, e imprimem através da sua projecção os tempos que passaram nesta nossa existência enquanto Humanidade, ou porque não, Modernidade. Frémaux reconhece nesse espólio, as respostas do cinema que se pratica e o que sucede, de Lumière parte as vagas, nouvelles e progressivas, o neorrealismo e o new deal, e o seu “rival”, Méliès, do outro lado da barricada, veio o joguete narrativo, do expressivo sonho, do expressionismo alemão à Hollywood, de Fellini a outros mentirosos. Mas um não seria possível sem o outro, nem o outro na sua expansão sem o “devido”.

O que podemos apontar com esta viagem … desculpem, aventura, é que a casa de partida é ao mesmo tempo a de chegada. Lumière tiveram uma premonição, e apesar das “más línguas”, não acreditavam no seu devaneio, houve quem o contrapusesse essa descrença com aquilo que detemos hoje enquanto legado. Frémaux não lecionou aula de qualquer género, apenas demonstrou um facto mais que histórico; de onde veio o nosso cinema, e que segredos se esconde nos seus primórdios. Não se esqueçam da coincidência das coincidências, Lumière significa luz em francês, e estas imagens nasceram disso mesmo, da luz … luz, câmara e acção, a Santa Trindade do altar cinematográfico. 

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