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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

De bons rapazes a maus velhotes ...

Hugo Gomes, 25.11.19

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“I Heard You Paint Houses”

Martin Scorsese coloca o último prego no subgénero "filme da máfia" que tem sido um dos estandartes da carreira. Incontornável com os seus “Mean Streets” (1973), “Goodfellas” (1990) e “Casino” (1995), o realizador, que atualmente anda nas bocas do Mundo pelas críticas ao domínio da Marvel na indústria, faz aquilo que poderemos apelidar do seu filme culminar. Aqui, acima da sua narrativa e todos os requisitos cinematográficos, está uma espécie de introspeção de um legado e de um círculo de “amigos” que o acompanhou nas suas aventuras.

Ostentando o orçamento equivalente ao de qualquer "blockbuster", maioritariamente dirigido à tecnologia "de-aging", “The Irishman” encara esse gasto não como um capricho mas uma atitude de aproximação do criador ao seu mais emblemático cúmplice do crime, Robert De Niro. Desde 1995 e “Casino” que não víamos novamente esta dupla e mesmo com o passar de anos, Scorsese não quis prescindir do seu Travis Bickle ou manobrá-lo perante as limitações da idade, sendo que a necessidade de integrar os flashbacks era, sobretudo, uma forma de honrar um percurso coletivo.

É por essas e por outras que De Niro é o nosso guia pelo seio de um mundo tão "scorseseano" e, verdade seja dita, o ano 2019 foi dos mais "scorseseanos" possíveis. Com as equívocas interpretações do seu “chico-espertismo” em “Vice”, de Adam McKay, no golpe das strippers de “Hustlers”, de Lorene Scafaria, ou na sensação da referência assumida com “Joker”, de Todd Phillips, chegamos finalmente ao genuíno toque de um homem que deseja, sobretudo, por um fim à sua corrente. O resultado é uma cerimónia fúnebre com toda (quase toda) gente deste universo reunida (em papéis secundários surgem Joe Pesci, Harvey Keitel, Bobby Cannavale) e até mesmo convidados de honra (a alegria de ver Al Pacino no seu glorioso "overacting"), cada um deles contribuindo para uma memória cinéfila.

The Irishman” é um filme sobre o seu autor, que extorque da América criminal para manifestar a sua visão do mundo que o rodeia e se transforma a olhos vistos, mas nunca abandonando a essência desse jogo de sombras. Scorsese é novamente o realizador sem fôlego no seu turbilhão de histórias, nos detalhes e na mestria como opera um "travelling" (o filme tem como convite um desses episódios à lá “Goodfellas”, mas sem grandiloquência). Como este também é um Scorsese diferente porque, como bem sabemos, o tempo altera-nos, já não encontramos o homem encantado e em pleno estado de "ecstasy" em relação ao seu mundo. Em vez disso, saboreamos a serenidade do realizador que desbrava terreno confortável através da paciência e da economia dos gestos, sem dar rasgos à austeridade.

O regresso de Joe Pesci, o dito “furacão” "scorseseano", aqui sob vestes de extrema imperturbabilidade (mas nem por isso menos ameaçador) é onde encontramos a analogia dessa mudança. É um "underacting" que contrasta com a chama intensa ainda existente em Al Pacino, que histericamente se repete - “It’s my Union!” [É o meu sindicato] – para que a frase silenciosa e igualmente impactante de Pesci faça todo o sentido – “It is what it is” [É o que é].

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