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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Crime (e) Sonsa Investigação

Hugo Gomes, 26.03.21

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Los Angeles, ou como é abreviado de L.A., não se resume apenas ao Sol, ao glamour vindo dos cantos de Hollywood nem mesmo a Beverly Hills, também possui um característico fedor de crime. Nefastos e insolucionáveis crimes. “City of Lies” é um desses “contos”, nascidos e criados num dos importantes berços do film noir, o teor detetivesco aí reconhecido, mas longe das convenções do subgénero, hoje morto, e submetido às mais diferentes desconstruções e reinvenções, chegando a um episódio policial que não desgruda do seu fascínio pelo mistério (de quem deseja reviver o “whodunnit” sem fim à vista).

Pegando no homicídio do rapper Notorious B.I.G (alvejado em 1997), ou Christopher Wallace (como o nosso protagonista – Russell Poole – vivido por Johnny Depp o refere unicamente), “City of Lies” se expõe no exercício semi-conspirativo, tentando montar e desmontar um “crime real” ao serviço da ficção, assim como fizera Oliver Stone (com o presidente John F. Kennedy em “JFK”, 1991), David Fincher (no serial-killer, nunca capturado, “Zodiac” no homónimo filme de 2007) e Brian De Palma (o mistério dos mistérios na fachada Hollywood com “A Dália Negra”, 2006). E tal como os exemplares referidos (uns mais que outros), a tendência é eles próprios embarcarem numa investigação paralela, criando convicções nas suas próprias conclusões.

O filme, assinado por Brad Furman (“The Lincoln Lawyer: Cliente de Risco”), extirpa essa mesma certeza dos escritos do jornalista Randall Sullivan (com base no seu livro não-ficcional – “Labyrinth” – em 2002) e por aí se apoia, criando um enredo labiríntico em modo de confissão entre o detetive afastado – Poole – e um jornalista intrometido e determinado – Jack Jackson (Forest Whitaker). Porém, o diálogo entre as duas figuras leva-nos ao velho dispositivo dos flashbacks, contaminando o enredo e aprofundando ainda mais o tom difuso na sua narrativa. Se essa confusão aparente solicita o acompanhamento do espectador, é na potencial emancipação, o qual nunca se faz chegar, que o filme desmorona-se.

As pontas soltas neste caso de nós nunca ascende à sua sugestão, tudo rotineiro, igualmente cheio de si e castrador para com o seu próprio ambiente (Los Angeles é filmada por um “canudo”). Aliás, há uma vontade no conto e reconto na cadência de um depoimento. “City of Lies” não atinge o seu clímax (aristotélicamente falando), o que sobra são meros detalhes de investigação. E se por um lado adquirimos com isto um alicerce à nossa investigação caseira quanto ao carrasco de “Biggie”, por outro perdemos o fôlego do policial à americana. É que Furman não se encontra interessado em abraçar a herança do noir, nem mesmo em procede-lo a uma suposta desconstrução.

Resume-se a uma linguagem televisiva, morna e passiva para com o seu material. E é só.