Conhece o teu Cavalo de Tróia
Se vamos encarar este “Parasite” como a enésima lengalenga da guerra entre classes, então, segundo a sagrada sabedoria popular, mais vale tirar o “cavalinho da chuva”. Esta menção de aguaceiro não é de todo fruto do acaso: com esta obra de Bong Joon-Ho é a "água vai e água vem" a encarregar-se de “limpar” da vista dos mais afortunados os “insetos humanos” que se empoleiram para “parasitar” as suas tão cobiçadas vidas. Uma "higienização" que leva a um isolamento das classes de topo.
Em "Parasite, somos encaminhados para uma família subsídio-dependente, os Kim, que sobrevivem através de esquemas e de puro oportunismo. Como todos os indivíduos deste grupo social, fantasiam com uma vida de luxos necessários e de segurança financeira futura. E é então que, quando a oportunidade lhes bate à porta, os Kim se infiltram no seio da família dos abonados Park e o que seria uma operação de subsistência com prazo incerto converte-se num manual de reviravoltas num mundo onde vale tudo.
Voltando ao ponto inicial do texto - o do confronto entre as diferentes classes - não é nada que Joon-Ho não tivesse já feito de forma quase "orwelliana" no distópico “Snowpiercer”. Só que, em “Parasite”, tudo é corrido a símbolos. O título é, isso mesmo, simbólico e quase analógico para com este embate social e os maneirismos e a ostentação da cultura ocidental por parte dos “ricos” aqui inseridos espelham uma ideia de uma classe alta formatada pelos parâmetros euro-americanos (quase como o desejo da burguesia pelo exotismo). O realizador desconstroi e reconstroi vezes sem conta, sem nunca seguir tratados de sociologia.
“Parasite” é cinema astuto pontuado pelos códigos do mais entusiástico “storytelling” (a capacidade de contar uma história e por sua vez torná-la perceptível a todo os olhares) que o cinema sul-coreano nos ofereceu desde o início deste século, como resposta à deterioração narrativa do sistema de Hollywood. Bong Joon-Ho fez parte dessa vaga, ao lado de nomes como Chan-wook Park (“Oldboy”, 2003) e Kim Jee-woon (“A Tale of the Two Sisters”, 2003), que colocaram a Coreia do Sul no mapa do espectáculo cinematográfico (e obviamente encheram Hollywood com “novas ideias”). Contudo, tentou separar-se da vaga, instalando-se como um homem de mil ofícios e de mil produções (a colaboração com a Netflix que gerou o conto moral vegetariano “Okja”, é um dos exemplos dessa versatilidade).
De regresso ao seu território natural, o realizador demonstra a sua determinação em dissecar o seu tema-base – a classe social do ponto de vista de um eterno contador de histórias. Nada de novo, é certo, mas “Parasite” remexe em diferentes tons, apresentando-se como uma salada russa fresca. A sensação de novidade é aquela que obtemos perante esta mistela de ritmos e sabores. "Parasite" é o poder da arte de contar uma história de Joon-ho e por isso estamos mais do que agradecidos.