Cinematograficamente falando… por mim
James Caan em Thief (Michael Mann, 1981)
O papel que sempre entendi por primordial nos textos sobre filmes é o do crítico-divulgador. Descobrimos coisas que nos entusiasmam e desejamos partilhá-las com as pessoas. Levar a que outros sintam desejo de ir ao encontro desses objectos. Falar-lhes com a nossa sensibilidade e alguma contextualização mas procurar que o texto reflicta sobretudo um ponto de vista individual. Quando falamos de filmes também dizemos um pouco sobre quem somos. Nessa medida é também isso que procuro naqueles que leio mais regularmente. Para ter informações gerais sobre qualquer filme apoio-me nas notas de produção. Os textos de crítica servem para encontrar um fio interpretativo, um estilo particular no texto redigido, um determinado modo apreciativo que pode até ser o oposto do meu, mas que reconheço, ao qual dou valor, e que me conduz a um filme mesmo que por contraste.
Independentemente da vaidade de cada um, estabelecemos uma rede de afinidades e de crispações que alimentam o relacionamento fisicamente distanciado mas intelectualmente próximo feito daquilo que vemos e do que os outros nos levam a descobrir. Gosto de uma escrita que seja clara e que não tenha medo das generalizações. Gosto de perceber as razões dos outros para escreverem o que escrevem, como enformam por escrito as suas opiniões, sem o receio de que se torne algo de definitivo sobre eles. Os tempos modernos da escrita para o online devem ter em atenção que todos navegamos em várias direcções em simultâneo, e que ao mesmo tempo que negociamos connosco a atenção a dispensar a um texto, temos já um conjunto de solicitações que lhe podem passar à frente.
Em última análise deve ser a motivação que vem de cada objecto a ditar e extensão da prosa que lhe iremos dedicar. Sou pela ausência de critérios apertados. Quando não se trata de ganhar a vida, cada qual que decida sobre o que quer escrever e a dimensão que terá a sua exposição. Mais cedo ou mais tarde, as ilusões que de início fomentam o nosso entusiasmo serão trocadas por uma concepção mais realista da razão por que fazemos o que fazemos, e a importância que isso terá para o próprio e para os outros. Pensar que sempre que escrevemos o fazemos primeiro e principalmente para nós, parece-me um programa mais duradouro que qualquer outro. A primeira relação que o crítico-divulgador estabelece é consigo mesmo.
*Texto da autoria de Ricardo Gross, jornalista na Agenda Cultural de Lisboa e crítico de cinema no site À pala de Walsh.