Cinema em Portugal? "Quero-te Tanto!"
Um pouco antes da estreia de “Al Berto”, Vicente Alves do Ó declarou que em Portugal o “cinema continua como um parente pobre da TV”. As suas palavras poderiam soar como um alerta acerca da dependência dos produtos cinematográficos para com a linguagem televisiva, a fim de conquistar um lugar na “indústria”. O que acontece é que Alves do Ó apenas explicita a velha cantiga do “faz o que digo e não o que faço”, até porque, como se vem a confirmar com este “Quero-te Tanto!”, o “raio” da televisão não desgruda do grande ecrã. Portanto, as lições são as lições, e os filmes são à parte.
Até poderíamos justificar que o que deparamos aqui estava inicialmente planeado para ser projetado nos pequenos ecrãs, aliás, uma das produtoras é um canal televisivo generalista que nos últimos tempos tem definido uma linguagem tão própria nesse ramo. Se houve desmembramento e enquadramento de forma a solicitar um “filme”, “Quero-te Tanto!” fica-se então pelo oportunismo enquanto ocupa as salas de cinema do país. Por outro lado, visto que temos a preencher estes espaços, olhemos com atenção a este “case study”.
Se Luís Urbano da Som e Fúria afirmava num debate ocorrido na Universidade Lusófona, no final de março, que não fazia distinção entre cinema mainstream e cinema de autor, pois todo o cinema tinha um fim comercial, Pandora da Cunha Telles contrariou a ideia ao dizer que todos os seus filmes produzidos eram, de uma forma ou de outra, de autor. O seu argumento é que cada um deles tem um realizador, argumentista e autor da banda-sonora, logo… autorais. Seguindo à letra as declarações da sua produtora, talvez, cegamente consideremos “Quero-te Tanto!” num trabalho autoral, visto termos os envolvidos na sua conceção.
Mas é de uma ingenuidade extrema consentir com este ponto de vista, porque esta TV para “Multiplexes” é um exemplo claro de massificação de uma ideia de Cinema para massas. Uma ideologia que deve ser sobretudo combatida por várias razões: a primeira é o sufoco criativo e da transgressão do dialeto cinematográfico, sendo para além de tudo um desrespeito para com as audiências em trazer para as salas aquilo que tão facilmente se pode ver em casa. Segundo, a miopia para com a comercialidade do filme, o que resultará numa obra apenas bem-sucedida em mercado interno sem pretensões além-fronteiras.
É claro que “Quero-te Tanto!” não é a pedra pedestal deste formato que contagia as nossas produções com desejos de viabilidade comercial há anos … mas é um exemplo daquilo que se deve evitar nos tempos atuais. E não estou a referir apenas à inclusão da caucasiana atriz Alexandra Lencastre a interpretar uma vidente chinesa designada por Madame Ping Pong (um tipo de humor arcaico a contornar, para além de uma discriminação para com os atores asiáticos). O que acontece é que esta história pindérica de um jovem casal lisboeta – ele, o arquétipo visto e revisto do homem-menino à lá Adam Sandler (Pedro Teixeira), ela a cegamente apaixonada e despersonalizada (Benedita Pereira) – não é mais do que um mero episódio-resumo dos tiques e tendências acumuladas neste Cinema “vendido” para todos. Isto tudo para além do humor básico e condescendente onde a caricatura falha com toda a sua “inglória”.
E é pena que Vicente Alves do Ó que tanto prometia desde “Quinze Pontos de Alma" dê a cara por isto … o prolongamento de um dos pecados do nosso Cinema.