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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Chorar pelos mortos, só depois de cuidar dos vivos ...

Hugo Gomes, 24.06.17

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A terceira longa-metragem da ainda jovem realizadora e argumentista, Katell Quillévéré, é um pedaço de sensibilidade enrolado num naperon suis “catita”. Baseado no premiado bestseller francês (escrito por Maylis De Kerangal), “Réparer Les Vivants” remete-nos ao tema do transplante de órgãos para revisitar os bons costumes do cinema emocional, num tecido tão próprio para o público mainstream e para os menos absolvidos a essas “multidões”.

Sim, Quillévéré tem estofo na sua direcção, consegue-se envergar pelo tempo, esses compassos de espera, para extrair uma delicadeza fragilizada nas suas personagens, de forma a construir um quadro narrativo, uma espécie de falso filme-mosaico com uma única raiz – o coração de um jovem levado antes do tempo. O título traduzido, “Cuidar dos Vivos”, explicita essa vontade de juntar os “cacos” depois do acidente, a de cuidar destas personagens que respiram pós-morte, contagiadas pela tragédia.

Mas mesmo assim, é na morte que o filme encontra a sua beleza, é nos momentos que a antecede que a câmara de Quillévéré proporciona-nos uma divina ida pelo purgatório. O olhar debaixo, no arrebatar das ondas. Submerso num oceano de vida, onde a cor mais quente é o azul, as visões que se lançam como coros angelicais num repouso dos bravos, o nosso “morto”, um jovem surfista que faz as tréguas com a sua existência antes do seu desfecho. E por fim, a transposição de cenários que abrem essa porta para o desconhecido, a vida para além do leito da morte. São belíssimas e inspiradoras imagens, essas que Quillévéré nos confia, para depois seguir num percurso do sensível, por entre lutos e esperanças de uma nova oportunidade existencial.

E é sim, depois da morte que o filme parece ter perdido a sua vida inicial, essa vitalidade invejável, ficando assim as réstias de um demorado melodrama com obscuros e melosos toques. Não foi a obra que esperávamos, mas a caminhada até a morte compensou-nos.