Cavalgar com Deus no Faroeste perdido
Um assassino a soldos do Velho Oeste depara-se com o golpe perfeito para uma "reforma antecipada". Vinte anos depois, com uma casa na pradaria e uma família próspera, “colhe” os “frutos” desse mesmo episódio, resultante da brutal morte da sua esposa por um bando de bandidos errantes. A notícia foi lhe transmitida pelo marshall, conhecido deste ex-pistoleiro sem lei de outras andanças, que após constatar uma raiva inerente nos olhos deste o aconselha a desistir de qualquer plano de vingança - até pelo bem da sua filha, criança incapaz de chorar pela trágica morte da sua própria mãe.
Nessa mesma noite de luto e angústia, o anterior homem de família, agora incorporado no sanguinário frio que o seu nome aspirava em tempos aureos do faroeste, encontrar-se determinado em engendrar o seu plano de vingança, mas para isso, segundo ele - teria que livrar (leia-se matar) a filha, o único resquicio da sua confortavel vida dos últimos 20 anos. Tal como Abraão prestes a sacrificar o seu herdeiro - Isaac - enquanto oferenda a Deus (ato bíblico hoje refletido e discutido como um sinal de radicalismo religioso), este “cowboy” pactua com forças divinas para atingir a sua instantânea sede.
Como é óbvio, nada acontece, este hesita, mas o impulso de ter apontado a arma a uma criança, revela-nos uma oscilante transição de personas neste nosso anti-herói, um reflexo ao estado atual do western, o mais americanos dos géneros americanos, hoje, ruminando por desconstruções e exercícios de estilo. Contudo, e possivelmente motivado pelo título “The Old Way” [velhos hábitos ou velhos costumes, literalmente], a longa-metragem de Brett Donowho aponta no sentido do faroeste de adereço, e não na mudança ou revisão, antes, a sua invocação. A transição temporária do seu pistoleiro, um sui generis Nicolas Cage (por vezes emprestando-se a encarnações à lá James Stewart), dispara cegamente no que requer a inovar o seu género, ao invés disso, despe-se das suas vestes transgressivas para aproximar-se do cânones do seu território, acordando com a sua moral e tecendo a enésima “jornada do herói” (sim, sabendo que este “herói” está, e muito, sujo).
Este é um western pavoneante de uma lista de encargos aos mais variados clichés da sua “praia” (e não só, sendo por veze confundido como um “John Wick” do Oeste, mas isso são outros “chavões”), só que carecendo de esteticidade classicista. Provavelmente, pelo género ter sido ditado pelos inúmeros e declarados óbitos, e a juntar a isso, a mais parca vontade de se “banhar” em planos gerais, contemplando o selvagem e as possibilidades de “campo aberto” na tela. Contudo, mesmo “enfiado” como produto B, o filme pontua com ambição e seriedade em querer ser mais que um na segunda divisão. Há notas e detalhes a merecer ser exaltados, mais do que reduzi-lo ao binarismo do “bom” ou “mau” que muita crítica estabeleceu como garantido, ou, cingir-se ao “luxo vendido por majors”.
“The Old Way” pode não ser bem-sucedido no seu regresso ao western puro, até porque este género virou rafeiro, um “vira-lata”, que mesmo assim incorre ao afago e não ao inevitável abandono. Pelo menos tentou “sacrificar o seu rebento” em prol desse amor. Contudo o Anjo de Deus apareceu, e como aconteceu a Abraão, o impediu de concluir o seu ato de devoção. “Não estendas a tua mão sobre o moço e não lhe faças nada; porquanto agora sei que temes a Deus e não me negaste o teu filho, o teu único.”