Caraças para o filme ...
Diz a lenda que Hugo Diogo desprendeu-se das suas ambições iniciais para, à sua maneira, tentar ganhar alguns “trocos” neste mundo fantástico que carinhosamente chamamos de "indústria cinematográfica portuguesa". No entanto, recorre a um velho truque, ou "tuguice", nestas demandas - "cuspir televisão" num ecrã enquanto rótula de Cinema. Repescando uma citação de Vicente Alves do Ó - "o Cinema continua a ser um parente pobre da televisão em Portugal" - acreditando agora, piamente, que se referia a projetos como este "Um Filme do Caraças".
Uma comédia de gags intrusivos sobre uma produção "prestigiosa" à portuguesa, onde o realizador entra em coma após um acidente com um projetor e o seu produtor, Pedro Rosa (clara alusão a Paulo Branco, mas sem bigode), não tem mãos a medir (nem orçamento para tal) e “contrata” um realizador de filmes porno (Pedro Alves) a assumir a rodagem e salvar o investimento. A partir daqui, desenrola-se o choque entre dois mundos, uma caricatura do cinema português (sempre o mesmo alvo) com toques de auto-ajuda “lamechas” motivados numa quebra da quarta parede. Contudo, as infelicidades neste trambolho cinematográfico encontram-se sobretudo na falta de ambição do projeto, que se limita a uma estética sub-televisiva (num momento de "Rabo de Peixe" e telenovelas mais sofisticadas, esperava-se mais respeito pelo público) para toda aquela comédia histérica.
Herman José, por sua vez, o genial humorista e também (“j'accuse!”) responsável por difundir o preconceito contra Manoel de Oliveira através de um dos seus arqueológicos sketches, revela-se rédea solta e desorientado numa caricatura agreste quanto à sua natureza (torna-se penoso vê-lo transformar nisto). Além disso, os maiores "fracassos" de "Um Filme do Caraças" estão presentes na inclassificável estrutura narrativa (até temos direito a um absurdo Deus Ex Machina no seu clímax) e personagens inadequadamente delineadas (o que Clara Gondim está a fazer ali é um mistério) e assume-se demasiado ingénuo para com a sua brejeirice (será difícil fazer sátira “da boa” neste país?).
Ou seja, as dificuldades criativas habituais, tentando vender "gato por lebre" no mercado do "cinema comercial português", e tentar auto-legitimar-se na sua própria “trincheira” - a de que o cinema deve reconciliar para com o grande público, porém, limitadamente ao território português, assumindo que é com isto o qual sonhamos ver expresso no grande ecrã. Será difícil compreender que não é com OVNIs embaraçosamente preguiçosos como estes que a nossa cinematografia irá “erguer-se” (ou lá o que é) perante o divórcio com os espectadores? Continuamos a alimentar com “lixo” e chamá-lo popular como defesa, mas perdemos assim tanta dignidade desde os intitulados “clássicos da comédia à portuguesa”?
Palmadinhas na costas e pronto, “cinema” contra o Cinema que ainda se faz no nosso país. Mais um para juntar-se à galeria.