Bye bye alegoria ...
Alexandre Aja (“Haute Tension”, “Piranha 3D”) poderia transformar este “Never Let Go” numa alegoria, uma espécie de Caverna de Platão, um metáfora salganhada com jumpscares, sobre o fervor religioso, a dominação ao paganismo e a opressão absolutista do cristianismo, uma vez que utiliza os seus simbolismos e contornos para erguer uma Halle Berry em estado de paranoia permanente. A certa altura, ainda esperávamos que um filme de estúdio contrariasse as tendências e se atrevesse a exibir alguma intelectualidade, virasse engodo — uma isca astuta para o público generalista e maioritário.
Essa pretensão mantém-se, alimentada pelo lugar-comum da “cabana na floresta”, geografia reconhecível do género, aqui inevitável “incendiário” ao isolamento de uma mãe e duas crianças, a primeira atormentada por uma ameaça que só ela vê, e os restantes alimentados por essa mitologia ali criada frente aos seus olhos. O resto, desde a fauna à densa flora do “lado de fora”, semeiam dúvidas enquanto os cânticos maniqueistas da mãe ecoam: o Mal, essa entidade que se impregna e corroi como peste tudo o que toca, e cuja protecção encontra-se numa corda, essa ligação umbilical para com a decadente habitação, a sua robustez resulta na “crença”, e livrai-nos de qualquer “impensável” ato de o desatar. Sendo um filme que se apropria das propriedades do cristianismo, sempre recitando vultos bíblicos, é de esperar que os dois irmãos irão debater as suas “fés”, emergindo como forças centrais no conflito dramático deste terror evangelizador (contávamos que esse lado fosse um eventual failsafe).
O problema é que “Never Let Go” acaba por ceder, e fá-lo de forma atormentada, oferecendo aquilo que o cinema popular tantas vezes quer dar no seu conforto de mercado: aquilo que o espectador deseja, ou pensa desejar. E o que ele quer, na sua maioria, é assistir sem pensar, sem subtextos, tudo literal, fácil de compreender pela lógica da fábula e da “batata”, ou seja, aquilo que a narrativa entrega no imediato, sem espaço para interpretações mais profundas ou figurativas. É olhar para o Capuchinho Vermelho e assumir que se veste de vermelho, mas nunca questionar o porquê de vestir vermelho, e o disso atrair “lobos maus” em errados trilhos da floresta.
Portanto, perde-se uma suposta (se ainda tivéssemos esperança … ou fé) e complexa metáfora, e recebe-se mais um exercício de género, de cerco e de teor apocalíptico, com todos os rodriguinhos que isso acanha, atirado para o “monte”. É tão difícil pedir um pouco de massa cinzenta aos filmes orientados para o mainstream?