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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

'Bora ao *Club*?

Hugo Gomes, 15.01.23

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Club”, uma palavra censurada, um destino interdito, o “fruto proibido”, a tentação (ou será melhor obsessão) de Miguel (Miguel Ângelo Santarém), jovem que lida com a sua frágil existência, desejando conquistar o lugar (essa tal “heresia”) como fim de uma longa e “desmerecida” viagem. O que não será fácil, porque Lisboa, cidade que alberga esse “Shangri-lá” da diversão noturna, é um espaço labiríntico, e quiçá “carroleano”, habitado por personagens caricatamente excêntricas, “chapeleiros loucos” ou “rainhas de copas”, todas elas, presas aos “seus respectivos mundinhos” o qual tentam prevalecer acima das vontades do nosso protagonista. 

A esta altura do campeonato, difícil será dissociar “Frágil”, a primeira longa-metragem de Pedro Henrique [sob o nome artístico de João Eça], com o seu gesto de protesto, esse, materializado na sua badalada passagem no Indielisboa e no Festival de Turim, e o outro, projetado em forma de filme, produzido e concebido sem (ou poucos) apoios e resultante de um esforços mútuo entre amigos e devotos, uma ode a uma ideia utópica sobre como e deve o cinema português ser produzido para garantir a sua resiliência identitária. Portanto, é nesse aspecto que muitos aproveitam a deixa da sua concretização para tecer textos e repertórios sobre o futuro incerto deste cinema, construindo pontes para uma História ainda “alive and kicking”. 

Frágil”, em certo jeito, ejecta-se diretamente para o território do filme “malapata”, espiritualmente invocando o possível maestro dessa fronte - “After Hours”, de Martin Scorsese - cuja uma simples tarefa reverte-se na impossibilidade de concretizá-la graças às peripécias e encontros acidentais que são invocadas como pragas bíblicas. Para Miguel, essa “toca do coelho” é recheado de todas as distrações que a noite reserva, e por entre elas, o dito “coelho branco” sempre no seu estado lufa-lufa -  o “Club” - esse lounge de uma cidade em estreita mudança, e consequentemente o “after”, tradição em plena convulsão pelas passagens geracionais. Diria mesmo, e entendo, a facilidade com que encostamos o filme a uma específica quadrilha fílmica composta pelos irmãos Safdie ou Harmony Korine, mesmo que Henrique negue com todos os “dentes que têm” tais influências, dando como alternativa o cinema clássico, aquele confundido às gerações que revêem nesta Lisboa de fantasias e estupefacientes como passivos e rígidos estados canonizados. 

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Pois bem, esse classicismo encontra-se presente, camuflado e até configurado àquela lente inconsequente e entrópica. Basta estabelecer uma ligação aos “musicais de sapateado” à moda de Gene Kelly ou Fred Astaire naquele pseudo-momento de musical-contrafeito, um “fail-safe” que “Frágil” guarda como aperitivo alusivo, retirando a ação do terreno slapstick e das idiossincrasias satirizadas desta “Juventude Inconsciente”. Até porque “Frágil” não se sustenta na mera “sai o que sair” como aspeto formal, há um cuidado de não ceder-se ao desleixo como muito do “cinema-jovem” hoje produzido graças ao boom digital. Convém, afirmar que “Frágil” é cinema de vaidades e de malabarismos, mas nunca subjugando-se ao espectáculo grotesco ou desalinhado. 

Em “língua de Camões”, existem outras aproximações a sublinhar, uma delas, também ele um produto “entre-amigos”, “O Verão Danado” de Pedro Cabeleira, o retrato, ora festivo, ora de tragédia de uma última festa do Planeta, de uma juventude nos seus confins, precária, mal-preparada e mal-amparada (de um jeito ou de outro, “Frágil” corresponde nesse esquema de uma Terra do Nunca em cacos, adultos-crianças restringidas ao manual da última balbúrdia). Do outro lado, e sintonizando a sua produtora - Promenade (para além de Videolotion do mencionado "Verão Danado")- encabeçada por Justin Amorim ("Leviano"), um espaço cultivador de “sangue fresco” e de temáticas absorventes dessa mancebia, jogando-se numa estilização pop que se revê como disrupção de uma estabelecida tradição cinematográfica. 

Frágil” é todo ele uma orgia, um protesto, uma ideologia, um escape, uma burguesia, uma afronta, um devaneio, um clássico e um progresso. Mas acima disso, é como uma noite inesperada e mal planeada, nunca prevemos o que irá “sair-nos na rifa”. Desta feita, partimos então em direção ao *Club* … a nossa e possível última estância.