Bispo para a casa seis ...
O Papa morreu! Na calada da noite, os bispos reúnem-se nos aposentos do Santo Padre. O corpo defunto, deitado na sua cama, projeta-lhes um presságio de um eventual dever, superior ao luto que ainda estão por experienciar. É chegada a hora de convocar os outros bispos; um novo Papa precisa de ser eleito para que a Igreja possa perseverar nestes tempos modernos e sombrios. Contudo, antes de sair do quarto, o bispo Lawrence (Ralph Fiennes) questiona o seu colega Bellini (Stanley Tucci) sobre a possibilidade de guardar o tabuleiro de xadrez como recordação dos momentos partilhados com o falecido Pontífice. Um objeto que parece encapsular tudo o que o filme "Conclave" deseja transmitir: estratégias, intrigas e manobras calculadas para ascender como a nova face do Catolicismo, e por outro a alusão da peça em diagonal, o bispo para sermos exacto, na ambição de dominar um tabuleiro orquestrado por outras - leia-se - forças.
O alemão Edward Berger, anteriormente bem-sucedido na sua recriação do histórico romance de Erich Maria Remarque (“All Quiet on the Western Front”), parte para um outro livro - desta vez, de Robert Harris - adaptando-o em jeito de thriller político, onde um conclave e todas as manobras de poder refletem aquilo que se pode considerar como "cinema adulto". Entretemo-nos perante as adendas e os enredos aí envolvidos num tom cirúrgico e neutro acerca do seu tema e associado cenário.
É um filme no Vaticano, sobre Vaticano com o Vaticano a ser alvo de introspecção profunda, para no fim ser objeto de compaixão e empatia, enquanto os plots twists — alguns mais previsíveis que outros — se amontoam e que nos acomoda para torcer ao promissor que esse futuro reserva à instituição religiosa. Ralph Fiennes, sem os histrionismos que o colocaram no reconhecimento do grande público, é um protagonista e tanto, dúbio e questionável sem nunca ceder o seu pendor de nobreza, é pelos seus olhos que o espectador navega nessa hibridez de thriller costuradinho e drama “confortável”. Contudo, "Conclave" debate uma certa atualidade — não a do seu contexto temático ou sócio-político, muitos deles “enfiado a martelo” — mas pela sua contemporaneidade imagética.
Berger constrói filmes para o cinema com as ferramentas que domina tão bem, utilizando uma linguagem visual marcadamente "streameira" (ou até televisiva do novo século), sofisticada mas sem qualquer aparente inclinação para a experimentação. Tudo certinho como manda a sapatilha, respeitando um equilíbrio temporal-narrativo rigoroso e com interpretações sólidas, integradas num mecanismo bem oleado, só que os tempos audiovisuais em que vivemos são outros. O streaming — que foi o destino do seu anterior remix de Remarque — dominou esse conceito de “entretenimento adulto”, apropriou-se dessa linguagem, planificação convencionalmente identificável, desses maneirismos, tornou-os na sua mobília. O filme que testemunhamos adere fielmente a esses códigos, daí não sairmos dessa profunda sensação de “cinema caseiro”.
Depois há que falar daquela reviravolta final, reajustada ao fervor destes tempos modernos, enquanto o livro de Harris respeitava uma tradição / folclórica de mau agoiro que o Vaticano parece guardar com tremor, esta transladação apenas hiperboliza o seu “pesadelo”. Final questionável é verdade, e um tanto piroso para sermos concreto.