Através do buraco da fechadura
Depois do arranque com “Photo”, em 2012, um filme que orquestrou as memórias de um Portugal regido ao salazarismo e que resultou num ensaio mais feliz que o seu primo de grande produção “Night Train to Lisbon”, Carlos Saboga regressa ao seu esforço de realizador emancipador (e com cunho produtivo de Paulo Branco) com um outro olhar ao nosso país em pleno anos 40: “A Uma Hora Incerta”.
Nesta sua nova obra, o tema dos refugiados é invocado refletidamente num período onde a Fantasia Lusitana parece cada vez mais vincada numa nação de fronteiras encerradas. A Segunda Guerra era vivida lá fora sob horrores inimagináveis ao povo português, mas o cerco construído entre nós, o sistema político que tentava levar um país à obscuridade, corrompia qualquer ligação exterior, quanto mais fugitivos de uma guerra inexistente, segundo os livros portugueses. Esse factor torna-se na combustão para esta intriga de um inspector da PIDE (Paulo Pires) fascinado por uma “desertora” francesa (Judith Davis), uma obsessão que se torna a sua respectiva salvação.
“A Uma Hora Incerta” instala-se como uma produção de baixo-orçamento, o qual se referencia na limitação da sua variedade cénica que como tudo converte-se numa imagem aludida à saúde que o nosso país apresentava no seu predilecto esconderijo da Guerra. Eis um filme que nos fala da ignorância social estabelecida pelos nossos líderes políticos e pela ligação fortalecida com os órgãos religiosos, pelo meio indiciamos a repressão sexual, o constrangimento que tem muito de bíblico como de um erotismo digno de “buraco de fechadura”.
Quanto ao primeiro adjectivo, a história de incesto de Lot revela-nos o vector acrescente, onde a jovem atriz Joana Ribeiro dá cartas com uma interpretação calorosa e um misto de ingenuidade sexual com níveis elevados de complexidade de Electra. A juntar a isto, uma montagem profissional em conformidade com uma fotografia de Mário Barroso, que expele essa salada de sentimentos e sensações que este “A Uma Hora Incerta” evoca. Possivelmente uma curiosa experiência na produção nacional, apenas há que dar uma oportunidade e abraçar os nossos “defeitos” enquanto povo.