Até ao último golpe ...
"Scorched Earth" (2024)
Há qualquer ‘coisa’ de antiquado nestas duas obras da prometida trilogia de Trojan. Uma antiguidade trazida até nós sob um rol de lágrimas de saudade, ou como os italianos proclamam, nostalgia. Já não existem thrillers com este ADN! Estão praticamente extintos, e até mesmo - com base na sua constante comparação - Michael Mann, parece ter esquecido de como os fazer.
Chega a Portugal, através da The Stone and the Plot, uma estreia quase simultânea dos dois primeiros capítulos de Thomas Arslan, realizador alemão que no circuito da distribuição portuguesa o conhecemos nas paradas do false-western com Nina Ross incluída (“Gold”, 2013), em tempos que se prosseguia enquanto “musa” de Christian Petzold (o “colega” de Arslan, que juntamente com Angela Shellac, compõem uma imposta vaga cinematográfica alemã - “A Nova Escola de Berlim”).
Mas voltando a Trojan … Mas quem é esse “Cavalo de Troia”? Apenas basta contemplar os primeiros minutos de “In the Shadows” ("Nas Sombras", 2010), e refiro em contemplar, porque é isso mesmo que exercemos neste thriller. Deixamo-nos cercados pela ambiência daquela Berlim noturna, quase deserta e deixada ao “Deus-dará”, e apercebemos através de uma “infiltração”, que Trojan não é mais que um engenhoso artesão do crime, o indivíduo predileto para qualquer golpe, e aí, após sair da prisão, persegue quem lhe deve e avança no estratagema seguinte. Interpretado por Misel Maticevic, Trojan soa-nos uma figura retirada da caderneta de Mann, uma mistura de James Caan com um Robert De Niro amargurado. Homem de poucas palavras, ação economizadora, detido por um código de honra apenas equiparado à sua sobre-precaução. A liberdade não é sinónima de redenção, portanto, é procurar um novo “trabalho”, algo que lhe proporciona vida sem conduta alguma, sem compromissos sociais nem calabouços afetivos.
"In the Shadows" (2010)
Arslan é apaixonado pelo cinema de género norte-americano, não apenas o western do seu ensaio dourado que o evidencia, mas nestas paradas, reportando o romantismo dessa clandestinidade integrada nas personagens num conceito-cápsula de um neo-noir contemporâneo. Essa tal noite que parece abundar, e até mesmo o dia filmado sem nenhuma radiosidade, é a nocturnidade que se vende à soturnidade, e por si só ao laconismo da personagem que mote dá a “In the Shadows”, um autêntico aspersor, espalhando a sua aura ao longo da narrativa. Filme de fugas, de calculismos e de cauções. Crime manniano que nos oferece um pontapé de arranque para uma história de homens frios e desadequados.
Seguindo com “Scorched Earth” ("Terra Queimada"), Arslan mantém-se na palavra definidora da “prequela”, noite e ação sem grandes estrilhos. Nesta segunda parte, catorze anos depois (e isso nota-se na personagem de Trojan), continua-se como porto-seguro para os elementos que enraizaram em “In the Shadows”. Se procuram crime frenético ou do estiloso encanto, podem esquecer automaticamente. O que vemos, e o que se preserva é a sua contemplatividade. Trojan feito para mais um “heist” relatado sob paciente cadência e sem espectáculos gratuitos, confidencia-se para com o espectador essa aliança sombria. Tornamo-nos cúmplices, não em pactuar com o “criminoso”, mas em nunca encorajar a sua retirada em cena.
O filme prende nesse tom, a tonalidade de um último golpe … talvez? Como também são as “fisgas” para que seja bem sucedido num “trabalho de quadros” com antagónicas trafulhices que funcionarão como conflitos. Por sua vez, é o filme em que Arslan cede, ou encaminha a audiência a tentar descodificar a humanidade por trás de Trojan, apontando constantes fugas para aquela fura-vida a que chama de existência. Sem “falinhas mansas” ou floreados morais, a noite novamente como manto de segredos e de atos de discreta violência, ao segundo filme se continua romântico na forma como este mundo nos colide.
Aguardemos o terceiro, e possível, final desta demanda sombria …
* "Nas Sombras" está disponível na plataforma Filmin [ver aqui], enquanto que "Terra Queimada" encontra-se em exibição nos cinema selecionados [consulte aqui].