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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

As Cartas ...

Hugo Gomes, 01.06.25

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Ao pé coxinho entre curtas e longas, Alice Douard parte da lógica LGBT como ativismo, pescando nela o crucial dia em que França legaliza o casamento entre pessoas do mesmo sexo [18 de maio de 2013], para depressa descartar esse gesto político e ceder ao foro emocional e da redenção. “Love Letters” (“Des preuves d'amour”) é um drama contido entre um casal de lésbicas: Céline (Ella Rumpf, "Tiger Girl") e Nádia (Monia Chokri, "Babysitter", "The Nature of Love"), cuja luta judicial por criar uma família nos moldes tradicionais as leva a solicitar cartas a conhecidos e familiares que possam atestar as aptidões de ambas nessa missão.

Como um malabarista, o filme atira os seus conflitos ao ar, da relação a manter, das dúvidas quando a maternidade “bater à porta”, e, como “bola maior” nesse jogo de braços, o aparecimento da figura matriarcal (Noémie Lvovsky): talentosa pianista, presença-canhão pronta a disparar. Até aqui, há uma relação em temor, quem sabe, o antagonismo da aparente harmonia com que os direitos são conquistados e enfiados no gavetão dos garantidos (até ao dia, conforme os sopros politizados que aí chegam).

"Love Letters" não é tanto o tema, nem tanto a linha dramática, é o modo como representa uma época específica sem se pronunciar num contexto moroso. É colocar este casal num zeitgeist compreensível. E, nesses termos, fugir das estéticas queer, ou das transgressivas por convenção, apenas pedir, com algum carinho, o molde generalizado, a não-diferença. A normatividade como opção social, a tão bem formar saúdes de ferro nessas dignas sociedades. O filme de Douard apenas acompanha a ideia: ser-se “mais do mesmo” sem realmente o ser, ou melhor, querer essa hipótese de.

Filme visualizado no âmbito da Semana da Crítica, Cannes 2025