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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

As "canções de amor" de Christophe Honoré ouvem-se do outro lado da rua

Hugo Gomes, 10.06.20

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Ele percorreu 400 quilómetros para chegar a ela. Ele vai atravessar o Canal. Eu, nem consigo atravessar a rua para te ter de volta.”: uma frase de “Welcome – Bem-Vindo”, um filme de Philippe Lioret que passou discretamente nos nossos cinemas em 2009 e lidava com a questão dos migrantes. No centro, estavam os conflitos matrimoniais de uma personagem nativa (Vincent Lindon), que demonstrava admiração pelo rapaz refugiado que a acolhera. Porquê falar desta obra para seguir em frente com o mais recente trabalho de Christophe Honoré? Fácil: em “Chambre 212” é a “pequena” distância, mais relativa do que factual, que se torna no grande antagonista do seu debate interno.

Quando Richard (Benjamin Biolay) descobre que a mulher, Maria (Chiara Mastroianni), tem um caso com um homem bem mais jovem do que ele, o diálogo diplomático é traído com o afastamento. É que Maria saiu de casa e atravessou a rua para ficar hospedada num hotel, um quarto com vista para a sua “vida passada”. A um passo de separar, todo o passado de ambos, por um fenómeno inexplicável, adquire literalmente uma vida própria, confrontando estes dois amantes perdidos no tédio dos 20 anos de matrimónio. É como se o "Conto de Natal" de Charles Dickens encontrasse refúgio nas prosas burguesas de um cinema que tenta desvendar aquilo que as personagens sentem de uma forma intelectualizada.

Por esses toques, “Chambre 212” constrói-se através de um dispositivo fantástico que contagia o enredo e a sua verosimilhança em prol de uma introspecção de relações e tempos precisos. No fim de contas, a distância é novamente protagonista de um desconcerto de corações. Os fantasmas dos amores longínquos (uma ponte feita pelo cada vez mais requisitado Vincent Lacoste), a vontade personificada com sósias de Charles Aznavour e a luxúria materializada nos adúlteros corpos da tentação trazem outra camada a esse dispositivo.

Como fez no seu (ainda imbatível) "Les Chansons d'amour" (2007), Christophe Honoré está de volta ao destino radical como inconvencional noção de felicidade e ao "happy end". Por aqui encontramos os remanescentes do calor artificial desse romantismo parisiense. Um teste para nos fazer acreditar no cinema enquanto ode dos nossos afetos e relações. Ou seja, romantismo à francesa.