Anya no País das Maravilhas
Para Eloise (Thomasin McKenzie), os anos 1960 foram uma época de um perfeito deslumbramento. A jovem sonha com essa década, a nível musical e estético, mas também com quotidiano, frequentando um imaginário trazido pelos adereços sobreviventes. Esse “desejo” fará com que, em parte, Eloise encontre o seu pesadelo. Materializada em Anya Taylor-Joy, a reluzente Sandie, jovem ambiciosa e ingénua que anseia um lugar cativo no mundo do espectáculo de Soho e se vê envolvida numa espiral descendente por lidar com uma realidade para lá da “máscara”. Ou, como é literalmente representado numa sequência afunilada e sufocante, nos bastidores da “fantasia”.
Curiosamente, o realizador Edgar Wright trabalha a nostalgia em "Last Night in Soho" não como uma vertente estática, mas sujeita a desconstruções e revisionismos. Será que temos medo desse olhar mais crítico? Ou temos que preservar a fantasia dos últimos dias? São questões que esta variação e aspiração dos filmes "Suspiria" e "Repulsa" poderiam suscitar, mas Edgar Wright é, infelizmente, todo ele entranhado por saudosismos e por um cinema de citação e recitação sem grande pose crítica (o que já vem das paródias passivas de “Shaun of the Dead” e “Hot Fuzz”, até à 'playlist' integrada de “Baby Driver”).
Para além dessas piscadelas de cinéfilo colecionista, este que era um dos filmes de terror mais esperados do ano tende a enveredar por algumas tendências atuais, confundindo-as com modernidade, mas que não correspondem à sua verdadeira natureza. A saber: a de uma variação de género hipnotizado pelo legado e, com isso, formalmente, dependente dele. Neste coração “lufa-lufa” artificial habita Anya Taylor-Joy, já depois de consagrada por "The Queen's Gambit", um corpo celeste que se movimenta numa órbita própria, desconectada de todo o filme. Ela e a sua fantasmagórica personagem, ora avatar, ora premonição, indiciam uma obra que “Last Night in Soho” nunca consegue ser, optando por ceder , como se vê no clímax, ao artificialismo tecnológico.