Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Anya no País das Maravilhas

Hugo Gomes, 27.10.21

Anya-Taylor-Joy-in-Last-Night-in-Soho.webp

Para Eloise (Thomasin McKenzie), os anos 1960 foram uma época de um perfeito deslumbramento. A jovem sonha com essa década, a nível musical e estético, mas também com quotidiano, frequentando um imaginário trazido pelos adereços sobreviventes. Esse “desejo” fará com que, em parte, Eloise encontre o seu pesadelo. Materializada em Anya Taylor-Joy, a reluzente Sandie, jovem ambiciosa e ingénua que anseia um lugar cativo no mundo do espectáculo de Soho e se vê envolvida numa espiral descendente por lidar com uma realidade para lá da “máscara”. Ou, como é literalmente representado numa sequência afunilada e sufocante, nos bastidores da “fantasia”.

Curiosamente, o realizador Edgar Wright trabalha a nostalgia em "Last Night in Soho" não como uma vertente estática, mas sujeita a desconstruções e revisionismos. Será que temos medo desse olhar mais crítico? Ou temos que preservar a fantasia dos últimos dias? São questões que esta variação e aspiração dos filmes "Suspiria" e "Repulsa" poderiam suscitar, mas Edgar Wright é, infelizmente, todo ele entranhado por saudosismos e por um cinema de citação e recitação sem grande pose crítica (o que já vem das paródias passivas de “Shaun of the Dead” e “Hot Fuzz”, até à 'playlist' integrada de “Baby Driver”).

Para além dessas piscadelas de cinéfilo colecionista, este que era um dos filmes de terror mais esperados do ano tende a enveredar por algumas tendências atuais, confundindo-as com modernidade, mas que não correspondem à sua verdadeira natureza. A saber: a de uma variação de género hipnotizado pelo legado e, com isso, formalmente, dependente dele. Neste coração “lufa-lufa” artificial habita Anya Taylor-Joy, já depois de consagrada por "The Queen's Gambit", um corpo celeste que se movimenta numa órbita própria, desconectada de todo o filme. Ela e a sua fantasmagórica personagem, ora avatar, ora premonição, indiciam uma obra que “Last Night in Soho” nunca consegue ser, optando por ceder , como se vê no clímax, ao artificialismo tecnológico.