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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

António-Pedro Vasconcelos (1939 - 2024): o senhor do grande público em Portugal

Hugo Gomes, 06.03.24

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Sinto que será uma figura sobre a qual iremos debater nos próximos tempos com uma maior exatidão e menos reação, mas fora isso, para o bem e para o mal, António-Pedro Vasconcelos fazia parte deste círculo reduzido e conflituoso que é o Cinema Português. Muitas vezes expressei o quanto gostava de ouvi-lo falar sobre cinema, mesmo que discordasse inteiramente da sua visão e, claro, da sua maneira de fazer filmes. No entanto, é neste diálogo que a cinefilia parece ter se perdido, na passarela de egos, na falta de escuta do outro e na defesa da pluralidade de pensamentos.

Quanto aos filmes, é triste que a sua despedida tenha sido com o telenovelesco "Km 224", mas há alguns momentos na sua cinematografia que guardo com carinho (deixo de lado os seus trabalhos de consagração, “Oxalá” e “Um Lugar do Morto”), nem que seja pelo desempenho mais do que feliz de Nicolau Breyner em "Os Imortais", personagem que se tornou num meme vivo - "Está tudo preso, meus cabrões". Ou, como sempre defendi, pelo lado B do cinema americano que "Call Girl" proporcionou. "Deus não existe, porque se existisse era um incompetente", dizia Joaquim De Almeida à sua protegée e isco humano Soraia Chaves "disposta a tudo", ou do malconceituado "A Bela e o Paparazzo", comédia romântica que piscava o olho a um legado iconográfico hollywoodiano. Não que tenha sido a oitava maravilha do cinema português, mas entre isto e os muitos atentados que se praticam em nome do "cinema para o grande público", até ficamos bem servidos com os singelos e até humildes "contos de coração partido" narrados por Nuno Markl.

Houve um tempo em que Paulo Branco jogava poker em "Perdidos por Cem", filme de referências e brindes, ou o encanto do Porto ao som de Rui Veloso em "Jaime", e não podemos esquecer "Amor Impossível", um romance jovial autodestrutivo que chegou a (re)conquistar alguns céticos. Ficamos então sem António-Pedro Vasconcelos, despedimo-nos de um homem cuja visão do seu cinema o relegava a uma certa marginalidade.