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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Amor em tempos de acaso

Hugo Gomes, 11.06.25

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O filme de Peter Chelsom situa-se como uma daquelas obras que, olhando em retrospectiva, se confirma como um “novo clássico” para os incuráveis papa-romances e amantes de amores superlativos, com um pouco de ‘chalupice’ horoscópica à mistura, é o destino que há de ditar as nossas vidas. Os “marklismos”, alicerçados nesta preservação e difusão da cultura pop, aquecem-lhe a aura de plano perfeito para casais em dias frios, mas convém dizer que, para além da sua trapaçaria sem espinhas, dos clichés e inverosimilhanças ao serviço do espectáculo do “vomitado romântico-beato”, não é incerto que encontremos aqui qualquer verdadeiro charme.

A prescrição é evidente: deste tipo de comédias romantizadas e sem pingo de amor ao realismo, Hollywood tresandava. Amámo-las, é certo, com juras e paixões declaradas aos seus actores e aos argumentos ‘limpinhos’. Há quem refira “The Clock” (Vincent Minnelli, 1945) como antepassado longínquo … perdoa-me Kathleen Gomes … e talvez se faça aí a sombra e a luz deste relance. Porque “Serendipity”, palavra sem tradução, relacionada com uma espécie de acaso (feliz, sublinhe-se) pavoneia-se como uma dessas comédias azeiteiras, com os dois perfeitos desconhecidos que encontram-se numa daquelas atribuladas vendas de Natal, e em Nova Iorque (claro!!). Perante a química e a emoção fervente, decidem jogar uma partida com o destino, tão apregoado por Sarah (Kate Beckinsale, anos antes de vestir o cabedal ao serviço do seu marido Len Wiseman). Ela escreve o número de telefone numa cópia de “Amor em Tempos de Cólera”, de Gabriel García Márquez; ele, Jonathan (John Cusack), numa nota de um dólar, na esperança de que esse tal fatum os reúna.

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Sete anos passam, e essa brincadeira com a cosmologia faz das suas. A crença e a descrença entrelaçam-se nesta narrativa, mas, para lá das cascatas de mel, vislumbra-se um ponto — e depois outro — numa sequência algo tatiesca num recinto de golfe, ou quase “billy-wilderesca”, com os secundários a entrarem com graça na trama (de Jeremy Piven a Eugene Levy). No fim dos dias, com a neve a cair e a melodia natalícia a fazer-se ouvir, fecha-se mais um conto hollywoodesco de cinismo amoroso, pronto a fazer-nos acreditar no inacreditável. O charme está aí: passado todos estes anos e já na galeria da melosidade, “Serendipity” ainda se aguenta nas ‘canelas’, tentando destacar-se da perfeita nulidade, com umas quantas vénias a esse classicismo. Acreditem, se quiserem, nestes acasos felizes!

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