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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Al Berto, o “menino de olhos tristes” que quis ser poeta

Hugo Gomes, 09.10.17

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Tens os olhos tristes, e todos os homens com olhos tristes são poetas”. Assim é nos dito inicialmente, no meio do encontro de duas personagens, que o espectador, até então, desconhece as suas identidades e paradeiros, mas apercebe-se instantaneamente da teatralidade dos seus diálogos proclamados com tamanha serenidade e espera. Com a frase feita, pronunciada e ouvida, o espectador é informado automaticamente da natureza de uma das suas personagens. O Poeta, o eremita da sua verdade, refém das palavras que nascem do seu interior com fins de expressar a alma da maneira como lhe convém. Porém, “Al Berto”, de Vicente Alves do Ó, está longe dessa recolha de talentos pelo qual se tornaram cinebiografias.

A personalidade-protagonista nunca recita uma estrofe, a sua criação é sugestiva na mente do público, visto que não é esse o objetivo inicial do realizador de “Florbela”, a adaptação da poetisa de “Amar Perdidamente” que soa como um rascunho em comparação a este relato de foro mais emocional, pelo ponto de vista do seu narrador (Alves do Ó). É sabido que Vicente (o chamaremos assim) conviveu com este amante da liberdade, dos ideais do 25 de Abril que não se viveram na sua totalidade na população de Sines. Até certo ponto, a existência de Al Berto cruza com a existência do nosso Vicente, direta e indiretamente, nesta última estância e como parte umbilical deste filme, o romance com o irmão de Alves do Ó, um “amor entre homens” acima da sexualidade “profana” aos olhos dos “pacóvios conservadores”.

Mas do Al para Berto nota-se um espaçamento, uma distância e nela, se materializa com toda esta época induzida como um espectro da sua sugestão. O afastamento para com o espectador dá-se por vários motivos, pela rigidez planificada que nunca encontra lugar no onirismo libertino nem da sujidade do intimismo dito queer (referenciando os lugares-comuns detidos nesse subgénero), ou, pelos conflitos internos do telefilme com a própria matéria cinematográfica, uma linguagem empestada por um crescente academismo. 

Outro ponto que remete Al Berto para o “feliz” fracasso, é a quantidade de secundários nunca desenvolvidos, subjugados pela sombra da personagem-título e do seu romance protagonista, o carisma requisitado de Ricardo Teixeira que ofusca qualquer justificação para que o produto saia do seu umbiguismo. A juntar a ausência de lirismo que não disfarça a teatralidade destes atores e situações, Al Berto funciona como um gesto, narcisista para uns, honesto para outros, dando forma a um exercício falhado.