Ai ... a minha vida de Courgette!
Icare, mais conhecido como Courgette, é um rapaz de nove anos cujo infortúnio bateu-lhe à porta: a sua mãe morreu. A criança é, assim, transportada para um orfanato onde tentará conviver com outros na mesma situação, ou não, que ele. Sob o olhar atencioso de Raymond, um policial que encarregou-se do seu caso, Courgette tentará por entre a sua vida caótica encontrar a felicidade nas pequenas coisas.
A primeira longa-metragem do suíço Claude Barras é uma aventura espirituosa que se assume como uma afronta ao legado mercantil da Disney, pois com uma duração com mais ou menos uma hora (não mais que isso) consegue construir uma trama igualmente emocional sem o recurso a conflitos demarcados e moralidades maniqueístas. Trata-se de um filme sobre crianças, ao contrário da tendência de filmes para crianças, uma obra honesta nas ambições dos seus “heróis” e verdadeiramente presente nestas.
Courgette, a figura, capta a nossa atenção pelo seu jeito doce, inocente e Claude Barras, em colaboração com Céline Sciamma (autora do argumento adaptado de uma obra de Gille Paris), invocam devidamente essa ingenuidade digna dos “enfants”. No meio desse olhar deliciado e subjugado aos efeitos de um tom intrinsecamente agridoce, “Ma Vie de Courgette” é aquilo que poderemos identificar como um dois em um. Uma animação stop-motion que encara o infortúnio como um ciclo vivente e despejado (sem vozes panfletárias) na superação, e, ao mesmo tempo, uma subversiva visão para com o sistema de tutores e de adoção.
Em tempos de “Bambi”, onde a morte era vista como um trauma incontornável mas parte integral da vida (tal como ela é, sem floreados), “Ma Vie de Courgette” poderia ter triunfado na audiência mais jovem, mesmo com as claras sugestões que encontramos em determinadas personagens. Mas numa época como aquela que se vive hoje, onde os nossos filhos estão sob uma constante, e por vezes alarmante, vigilância e protecção (e nisso reflete a qualidade dos desenhos animados que assistem), o filme de Claude Barras será restringido apenas a um público adulto.
Porém, espera-se que haja um passe-a-palavra, “Ma Vie de Courgette”, que teve a ventura de estrear em Cannes com algum entusiasmo e a nomeação ao Óscar ao lado de outros concorrentes de peso como “Kubo and the Two Strings” e “The Red Turtle” (o prémio, que infelizmente, caiu nas mãos do mais previsível e formatado candidato), é um mimo para a nossa sensibilidade. Um mimo acima do que aquilo que realmente merecemos!